domingo, 12 de março de 2017

Terrorismo de Estado e Sabotagens imperialistas contra Cuba


Terrorismo de Estado e Sabotagens imperialistas contra Cuba

de Marco Magli

Desde a Revolução Cubana (1959) a população da ilha socialista vem sofrendo de inúmeras ofensivas terroristas dos EUA e seus aliados mercenários.

Fidel Castro, em seu discurso de 6 de outubro de 2001, na Praça da Revolução, condenando o atentado às Torres Gêmeas e relembrando que os primeiros sequestros de avião em cuba começaram já no primeiro ano da revolução:

“O primeiro fato dessa natureza foi o sequestro de um avião de passageiros DC-3, que realizava viagem de Havana à Ilha da Juventude, levado a cabo por vários membros antigos dos órgãos repressivos da tirania batistiana, que o desviaram da rota e obrigaram o piloto a dirigir-se a Miami, em 16 de abril de 1959. Ainda não haviam passado quatro meses do triunfo da Revolução. A ação ficou impune. Entre 1959 e 2001, um total de 51 aviões cubanos foram sequestrados e, quase sem exceção, desviados para os Estados Unidos. Muitos desses aviões sequestrados nunca foram devolvidos ao país.”

Para proteger-se dos atentados que ocorriam quase que permanentemente na ilha, o Governo revolucionário fez algumas operações para adquirirem armamentos. Uma delas era a do navio francês La Coubre que em 4 de março de 1960 havia acabado de chegar ao porto de Havana, trazendo munição e armamentos. Então o navio explodiu deixando cerca de 200 mortos, 34 desaparecidos, 400 feridos e 80 órfãos.

A investigação cubana, com participantes internacionais, começou logo depois do atendado e concluiu-se que a explosão teve origem no porão superior 6, onde estavam caixas protetoras com granadas dentro. Após esta informação inúmeros testes foram feitos com as mesmas caixas comprovando que não era possível que as granadas dentro delas explodissem sobre pressões exercidas no invólucro.

Em 1961, o aeroporto de Havana foi bombardeado, deixando centenas de mortos e um prejuízo econômico para a ilha.

Desde 1959 até 1998 são contados cerca de 560 atos de terrorismo contra o povo cubano, mais de 290 contra cubanos residentes nos EUA.

Além desses casos mais conhecidos há outros, como outros bombardeios à vilas e cidades, incêndios rurais e urbanos, crimes biológicos (as misteriosas epidemias de dengue e conjuntivite hemorrágica de 1981), fuzilamento de povoados costeiros, derrubada de avião com civis (voo Cubana 455), entre outros.

Somados à todos esses atentados terroristas e sabotagens está também a mais longa tentativa de genocídio da história, o bloqueio econômico, encabeçado pelos EUA. Além de mais de 630 tentativas de assassinato do eterno Comandante en Jefe Fidel Castro Ruz.

Abaixo está o link para a lista de atentados terroristas contra Cuba:


Embargo não, bloqueio

Embargo não, bloqueio

Tema: História Latino-americana contemporânea 

de Marco Magli

Em 1 de janeiro de 1959, o movimento revolucionário cubano chegou à Santiago de Cuba onde o ditador Fulgencio Batista estava e empreendeu fuga para os Eua.

Uma semana depois, o Exército Rebelde, liderado por Fidel Castro, havia cruzado a ilha e era recebido por multidões em Havana. Muitos pensam que a revolução acabou aí, mas para o povo cubano era claro que neste momento iniciava-se um processo revolucionário, continuado até hoje.

O Governo Revolucionário fez em poucos dias medidas destinadas a recuperar as riquezas do país e colocá-las a serviço de seu povo, o que afetava diretamente os interesses dos grandes monopólios estadunidenses, que durante mais de meio século haviam saqueado a ilha e influído em sua política interna. A resposta dos ianques foi rápida e brutal desde seu primeiro momento.

Em 6 de fevereiro de 1959 foram roubados por líderes bastitianos 424 milhões de dólares do Banco Nacional de Cuba e enviados para os Eua, valor o qual não foi restituído em 1 centavo sequer pelos governos americanos até hoje. [1] [2]

Em 1960, as transnacionais Texaco, Shell e Esso restringem a exportação de combustível a Cuba. No mesmo ano o governo dos Eua anuncia uma suspenção de compra de 700 toneladas de açúcar de Cuba, proíbe a exportação de alimentos, equipes médicas e remédios para a ilha vizinha.

Um ano depois, Kennedy proíbe a compra de qualquer quantidade de açúcar cubano, a indústria mais forte do país, e corta as relações diplomáticas com Cuba. Em 1962, o presidente democrata assina a Proclamação 3447[3], que proibia a importação e exportação de qualquer bem entre Cuba e os Eua.

Nos anos 90 houve um recrudescimento do bloqueio, quando os Eua exerceram uma pressão econômica para que outros países parassem de fazer negócios com Cuba.

Em 1992 foi assinada a Ley Torricelli[4] [5], proibindo que qualquer embarcação que aporte em Cuba com propósitos comerciais possa tocar qualquer porto estadunidense por 6 meses e também ilegalizando o transporte de passageiros entre os dois países.

Em 1996 foi a vez da Ley Helms-Burton[6] ser aprovada novamente por Bill Clinton, que basicamente estabelece que qualquer empresa que fizer negócios com Cuba podo ser submetida a represálias legais e seus diretores podem ser proibidos de entrar nos Eua.

Em 2014, por meio de um relatório enviado à ONU bianualmente, o governo cubano mostrou um cálculo que estima os prejuízos econômicos derivados do bloqueio econômico nos seus mais de 50 anos em 116,8 bilhões de dólares.[7] [8] Isso sem contar com os 54 bilhões de dólares gastos com reparos a danos e sabotagens provocados pelos Eua sobre Cuba.[9]

Por conta de todas as consequências do bloqueio econômico que é feito pelos EUA em Cuba, a grande maioria dos países da ONU, 191 de 193, são a favor do fim desta prática. Os únicos que ainda não se mostram a favor do fim do bloqueio são os EUA e Israel.[10]

Geralmente, se conhece como “embargo” a forma judicial de se reter bens para assegurar o cumprimento de uma obrigação contraída legitimamente. Pode ser também uma medida precatória patrimonial autorizada pela autoridade judicial competente com o objetivo de um devedor cumprir seus compromissos com seus credores.[11] Cuba não se encaixa em nenhum dos dois casos. Na verdade o bloqueio sofre inúmeras “maquiagens legais” que visam legitimar um genocídio, quando os ianques não conseguem impor sua política do “Big Stick”.




[1] http://www.cuba.cu/gobierno/documentos/1999/esp/a130999e.html - PROCLAMA DE LA ASAMBLEA NACIONAL DEL PODER POPULAR DE LA REPÚBLICA DE CUBA

[2] http://www.granma.cu/granmad/secciones/verdad/a015.htm - Demanda del Pueblo Cubano al Gobierno de los Estados Unidos por los daños económicos ocasionados a Cuba

[4] https://www.ecured.cu/Ley_Torricelli - sobre a Lei Torricelli

[5] https://www.treasury.gov/resource-center/sanctions/Documents/cda.pdf - CUBAN DEMOCRACY ACT (“CDA”) ou Lei Torricelli [texto integral]

[6]http://web.archive.org/web/20070730130013/http://www.icap.cu/pdf/ley%20helms%20burton.pdf  - "LEY PARA LA LIBERTAD Y LA SOLIDARIDAD DEMOCRATICA CUBANAS (LEY LIBERTAD) DE 1996" ou "LEI HELMS-BURTON" [texto integral]


[8] http://www.cubavsbloqueo.cu/sites/default/files/INFORME%20BLOQUEO%202015%20-%20EN.pdf – Resolução 69/5 da Assembleia Geral da Onu [texto integral]


[11] http://www.voltairenet.org/article152471.html - "Embargo y bloqueo no son sinónimos", por Angel Rodríguez Alvarez

sábado, 11 de março de 2017

Descrição da visita técnica à alguns patrimônios históricos no centro de São Paulo

Descrição da visita técnica à alguns patrimônios históricos no centro de São Paulo

Tema: Memória, cidade e patrimônio histórico
22/10/2016

Marco Magli

          A visita técnica à alguns patrimônios históricos na região central de São Paulo levanta algumas questões interessantes sobre a utilização e, principalmente, a significação desses espaços. Esta visitação ocorreu no dia 21 de agosto (sábado), na Jornada do Patrimônio 2016 pelo período da manhã.
            O espaço histórico, voltado à memória, que visitamos em nossa rota foi o Pateo do Collegio. Este é o local mais antigo da cidade de São Paulo, onde instalou-se a sede do colégio Jesuíta em 1554. Entretanto, ao longo de mais de 400 anos de existência teve outras utilidades importantes para a cidade, como por exemplo, foi sede do governo de São Paulo do século XVIII ao XIX.
            Na praça em frente à construção, é possível ver a grande escultura de cerca de 25 metros, de granito e bronze, chamada “Glória imortal aos fundadores de São Paulo”, de Amadeo Zani. Não há nenhuma informação aparente ou ressaltada aos olhos do transeunte que possa contextualizar aquela obra de arte. Poderia ser colocado um adesivo com fundo transparente e pequenos textos mostrando o histórico da escultura, seu escultor e da própria praça, que só recebe esta função em 1891. Além disso, é deixada de lado a sobreposição de tempos que está escancarada na praça, pois as casas de estilo neoclássico e eclético que hoje fazem parte da Secretaria de Justiça Municipal, ao lado do antigo Collegio. Essas construções também não têm nenhuma explicação ou contextualização aparente.
No Collegio fomos recebidos por um guia que apenas abriu o portão para nós e nos explicou as normas de comportamento do público para a visitação. O local, que é gerido por uma administração própria sob direção do padre jesuíta Carlos Alberto Contieri, guarda aspectos interessantes e pedaços esquecidos nele. Um aspecto interessante é uma espécie de aquário de vidro que, dentro dele, estão expostas as paredes de vários períodos diversos, o que mostra a sobreposição temporal do espaço. Além disso, há algumas lamparinas a gás que funcionam, o que é de fato interessante para o visitante.
Porém, no canto da parte externa há uma escultura muito caricata e inverossímil de um indígena ao lado de enormes cestos de lixo, um posicionamento que o visitante não consegue saber se o objeto faz parte do acervo. O local pode ser visitado em menos de 45 minutos, fazendo a rota completa, que inclui o Museu Padre Anchieta e a Capela homônima.
Em suma, o Pateo do Collegio é bem preservado, mas mal explicado e expostos ao visitante. Ele ignora completamente as outras funções que o espaço teve além de marco fundador de São Paulo. Tanto fora quanto dentro da construção o acervo é carente de explicações e indicações ao visitante da história daquele espaço.
Em seguida visitamos o Solar da Marquesa de Santos, na antiga Rua do Carmo, 3, hoje Rua Roberto Simonsen, 136-A. O espaço novamente é extremamente bem conservado em sua aparência exterior. O local foi, mesmo surgindo muito tempo depois do Pateo do Collegio, teve talvez mais funções ao longo da história. Foi o Solar da Marquesa de Santos, casa do bispo de São Paulo e sede da companhia de gás da cidade.
Novamente é possível ver que no espaço é privilegiado uma função história, no caso o Solar, e os outros momentos e usos do local são completamente ignorados. A casa por dentro é interessante, mas sua montagem e a colocação de suas peças não impacta e nada explica ou propõe ao visitante. Isso pois seus móveis não estão mais lá, os poucos objetos expostos ficam num canto, com explicações para cada peça, mas o espaço interior é quase vazio, perdendo o aspecto de casa e a noção ao visitante de algum dos seus antigos empregos.
A visita foi guiada por duas estudantes de História preparadas que faziam parte da Jornada do Patrimônio. O espaço tinha fotografias interessantes de São Paulo antigamente, embora simplesmente “jogadas” no enorme espaço vazio que há no piso térreo. Além das fotos há um antigo túnel que foi explorado por arqueólogos e hoje guarda um aspecto interessante ao visitante, embora não haja sinalizações explicativas de seu uso. No andar superior a arquitetura é o mais interessante na casa, pois é possível ver a sacada e sentir/ ver a vista da rua que está bem preservada e observar os detalhes do teto.
Infelizmente o local não mostra ao visitante a passagem do tempo naquele local, o que deveria ser mais explorado. Seria muito interessante se fosse possível mostras as várias funções que a casa teve ao longo do tempo no mesmo espaço, sempre indicando para não causar confusões no visitante. O local, na forma que está sendo utilizado quase se reduz a um espaço de exposição e não histórico. Além disso não há nenhuma referência de quem foi a Marquesa de Santos, qual a sua importância e a localização de seus cômodos.
Ao lado do Solar da Marquesa há o Beco do Pinto e a Casa da Imagem, muito bem conservados por fora, com cores bonitas das tintas das paredes que retomam um estilo neoclássico. A Casa da Imagem é talvez o local mais interessante na viagem para se discutir a as sobreposições de camadas históricas em São Paulo. O local teve as mais diversas funções e usos, como casa de bandeirantes, sertanistas, um padre, um colégio, uma casa de banhos, um hotel, entre outro. Porém, seria impossível mostrar todos esses usos, por falta de espaço e acervo. Portanto, percebe-se que não é privilegiado nenhum dos usos e tempos do local e sim assume-se uma nova utilidade.
A casa tem o papel de ser um acervo iconográfico, com fotos, quadros e objetos arqueológicos encontrados no local e no beco ao lado, facilitando pesquisa, preservação e exposição. O local faz parte de uma das 13 edificações históricas do Museu da Cidade de São Paulo. Lá pode-se tirar fotos sem flash, o que é uma permissão que agrada boa parte dos visitantes e não danifica o acervo. As obras são bem sinalizadas tanto dentro quanto fora do local. Além de ter banheiros com acessibilidade e bebedouros disponíveis aos visitantes.
O que podia ser melhorado é o Beco do Pinto, ao lado, que é administrado pela Casa da Imagem. Ele foi uma passagem importante da várzea do rio Tamanduateí ao largo da Sé, embora tenha sido fechado e reaberto várias vezes. Em 1979 foi escavado o que rendeu o acervo arqueológico exposto ao lado. Hoje, porém, não tem mais a função de passagem, nem qualquer explicação de sua história, e está servindo como local de exposição de obras de arte contemporânea mal sinalizadas, que não tem função explicativa histórica e acaba por descontextualizar todo o ambiente.
O próximo ponto foi o Mosteiro de São Bento, mas antes de chegarmos lá passamos por pontos importantes da história da cidade. Um deles foi o prédio da Caixa Cultural. Apenas observamos por fora este edifício que fica na Rua São Bento, que tem uma arquitetura típica do fascismo italiano, com traços claros do futurismo, como colunas e esguias dando noção de velocidade, progresso e grandiosidade, além de letras romanas e cores negra e dourado em evidência. O interessante desse local é justamente a arquitetura, que marca a passagem desse tempo e desse estilo pelo centro de São Paulo. Após isso tentamos visitar o edifício Martinelli que também tem enorme importância arquitetônica mas estava fechado.
O Mosteiro de São bento é muito belo e interessante, bem preservado não só por fora mas também por dentro devido ao seu constante uso. Foi construído no início do século XX e teve outros usos além do religioso, foi inclusive o primeiro curso de filosofia de Brasil pela PUC em 1908. Sua arquitetura é eclética e se parece com uma catedral alemã genérica talvez devido ao seu arquiteto, Richard Berndl, que era alemão.
O espaço ainda tem muitas funções, tanto a acadêmica, como a religiosa, aliás recebeu o papa Bento XVI e, para isso foi reformada em 2008. Isso também significa, que ela é administrada por diferentes instituições como a faculdade São Bento e os padres do mosteiro.
A arquitetura e os detalhes internos do local são interessantes, porém é necessário uma sabedoria previa de semiótica religiosa para entender a história contada por cada canto daquele espaço, no nosso caso dado pelo colega Flávio, que estudou a fé católica por muito tempo. Com ele pude entender que o dourado e figuras tropicais representavam um teor bizantino na igreja. Mas, não é possível sempre cobrar certo tipo de sinalização ou explicação dentro de um local religioso, embora para leigos e até fieis fosse mais explicativo assim. A visita no mosteiro não é permitida pois os religiosos vivem enclausurados lá. Mas a Igreja é de fato um local surpreendente da cidade e por mim até então ignorado, mas com uma visita e um pouco de pesquisa descobre-se que é um marco histórico fundamental da cidade.
Destarte, a visita ao centro mostra que temos um potencial muito grande de preservação, com um acervo interessante, obras e estruturas bem conservadas e muita história aglomerada neste pequeno espaço da cidade. O desafio ao museólogo, historiador ou arqueólogo é organizar essas camadas de tempos, funções, sujeitos, intencionalidades no espaço. Enfim, a visita é interessante, não só para se deparar com a historicidade do tempo/espaço, mas também para não deixar de notar a falta preocupação de muitas instituições, públicas e privadas, em informar o cidadão que quer conhecer as histórias da cidade onde mora.

A flora medicinal e seus significados: A tradição do uso das plantas medicinais no baixo Rio Negro e sua aplicação nos centros urbanos

A flora medicinal e seus significados

A tradição do uso das plantas medicinais no baixo Rio Negro e sua aplicação nos centros urbanos

Autores:
Aléxis Damazio
Guilherme Esteves 
Marco Magli 

Sumário

Resumo
 Palavras chave e introdução
 Questão norteadora e hipótese
 Embasamento teórico
Metodologia e definição da questão objeto em estudo de campo
 Conclusão
 Resultados e referencias

Resumo
Desde 2012 a Escola Nossa Senhora das Graças promove, no terceiro ano do Ensino Médio, o estudo de meio à Amazônia. O projeto se tornou marca da formação acadêmica da escola. Trabalha-se na preparação para a viagem em diversas áreas do conhecimento: discute-se em sociologia a análise interpretativa dos povos e culturas, aponta-se em Geografia a diversidade de nosso país e a importância de compreender nossas diferentes etnias e são levantados diversos dados sobre os materiais lá encontrados para a pesquisa e discussão em Química. Tal como na área biológica, na Amazônia encontra-se uma vastíssima fauna e flora, considerada a mais diversificada do planeta e, com certeza, a mais fascinante.
Atracamos em comunidades ribeirinhas e povos indígenas, entramos em contato com as diferentes formas de encarar a questão medicinal. Na comunidade Bela Vista, na dos Cambévas e dos Tatuios, e também com ribeirinhos, como o seu Manoel, ou mesmo com a tripulação dos barcos, muito aprendemos a respeito do uso medicinal das plantas.
A resposta à primeira parte de nossa questão norteadora foi respondida em campo, enquanto a segunda foi respondida por meio de estudos e fontes escritas. As plantas medicinais são parte intrínseca da cultura de todos os povos que se instalaram historicamente no baixo Rio Negro, desde caboclos aos ribeirinhos. O uso das plantas com propriedades medicinais nesta localidade é feito para as mais diversas enfermidades, como traumas febre e picadas de cobra. A questão da difusão dessa cultura, das plantas medicinais, nos grandes centros urbanos se deve a uma ampla questão histórica, econômica e ecológica, desde o povoamento massivo desta área.

 Palavras chave:
Matrizes formadoras; cultura cabocla; miscigenação; urbanização; cultivo; tradição; expressões; etnodesenvovimento; biodiversidade; imposição econômicas; fitoterapia; botânica.


Introdução

As plantas medicinais são vastamente utilizadas pelas populações residentes do baixo Rio Negro e detêm ampla importância etnológica, social e ambiental. Seu uso não restringe-se apenas a medicina, mas sim, abrange desde rituais indígenas ao processo de caça e alimentação.
Tal prática vem sendo realizada desde as primeiras organizações populacionais presentes no território amazônico, gerando um processo de sobreposição de conhecimentos no qual as práticas culturais europeias e africanas somaram-se às indígenas. Por isso, o uso de plantas medicinais que é hoje realizado na região vem da miscigenação de três matrizes formadoras da cultura cabocla.
O processo de erosão cultural e de desmatamento das matas nativas, no entanto, dificulta a desgasta e relação dos povos com as plantas que são por eles utilizadas. A devastação de extensas áreas amazônicas, tanto para extração de madeira, quanto para o ampliamento de zonas de plantio, dificulta o processo natural de proliferação das espécies medicinais. Ao mesmo tempo, a imposição de práticas sociais e econômicas sobre as culturas indígenas e caboclas faz com que tradições e saberes a respeito do uso dessas plantas sejam perdidos no tempo.

“Precisamos lutar para que as populações culturalmente diferenciadas, como são os povos indígenas, possam participar do desenvolvimento da sociedade, mantendo sua identidade, buscando novos mercados consumidores para a venda de seu artesanato e produtos que sejam desenvolvidos a partir do conhecimento indígena. Estas ações devem ser baseadas no etnodesenvolvimento, cujo princípio estabelece a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas. Com isso, essas comunidades podem deixar de ser minorias excluídas, passando a sujeitos de direito e protagonistas da sua própria história.” – é o que afirma Samia Roges Jordy Barbieri, procuradora municipal e professora de Direito Indígena.

Questão norteadora:
Qual é a importância das plantas medicinais para a população residente do Baixo Rio Negro, e por que o seu uso enfrenta dificuldades nos centros urbanos?

Hipótese:
As plantas medicinais vêm perdendo o lugar e importância na medicina tradicional da pulação indígena, ribeirinha e cabloca, no baixo Rio Negro, devido à chegada de doenças novas nas últmas décadas e, principalmente, ao acesso a medicamentos industrializados;

Embasamento Teórico:

Citações de LORENZI, H.; MATOS, F.J.A. "Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas." 

“O botânico Richard Spjut calculou que, durante os primeiros 20 anos de triagem de plantas pelo U.S. National Cancer Institute, as espécies indicadas por povos tradicionais como remédios, venenos ou substâncias tóxicas para peixes demonstraram uma probabilidade de resultados positivos preliminares in vitro entre duas e cinco vezes maior que plantas coletadas ao acaso.”

“Estima-se que aproximadamente 79% da população mundial depende de fontes naturais para tratar de enfermidades. Esse é freqüentemente o único recurso disponível às comunidades carentes, em geral habitantes de países tropicais que apresentam enormes barreiras geográficas e financeiras de acesso a medicamentos alopáticos. E quando deparam com doenças como o câncer e a AIDS, muitas vezes os recursos que lhes restam são as plantas medicinais.”

“A importância da busca de novos medicamentos entre os produtos naturais pode ser enfatizada pelos seguintes dados:
– Excluídas as derivadas de bactérias, mais de 60% das drogas aprovadas e candidatas a estudos pre-New Drug Analysis (análise de nova droga) pelo US Food and Drug Administration (FDA), órgão responsável pela liberação e regulamentação de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos, são obtidas de fontes naturais, sobretudo as utilizadas para o combate ao câncer e a doenças infecciosas.
– Uma auditoria realizada em 1973 indicou que, em um período de 15 anos, 25% dos receituários dispensados nos Estados Unidos continham substâncias ativas obtidas de plantas; 13,3%, substâncias obtidas de microrganismos; e 2,7%, substâncias extraídas de animais. Um percentual muito próximo a esse foi observado em 1990, representando um comércio de aproximadamente US$ 15 bilhões.
]– Das novas drogas aprovadas pelo FDA entre 1983 e 1994, 78% dos antibacterianos são de fonte natural; dos 31 agentes anticancerígenos (exceto seis, de origem bacteriana), 61% são derivados de produtos naturais obtidos segundo um modelo de composto quí- mico existente na natureza”

“No Brasil, o etnobotânico William Milliken e colaboradores levantaram a utilização de árvores pelos índios Waimiri-Atroari, habitantes do baixo Rio Negro. Descobriram que cerca de 15% das espécies de árvores acima de 10 centímetros de diâmetro encontradas em um hectare eram usadas como plantas medicinais.”


“Das plantas européias cultivadas na Amazônia, levadas provavelmente pelo colonizador português, destacam-se:
a)      Arnica (Arnica montana, Asteraceae) – Tem conhecida atividade antiinflamatória relacionada com os flavonóides (grupo de substâncias quí- micas) que ela biossintetiza;
b) Alcachofra (Cynara scolymus, Asteraceae), colerética – Favorece o esvaziamento da vesícula biliar, ajuda a diminuir o colesterol e protege cé- lulas hepáticas;
c) Alho (Allium sativum, Liliaceae) – Utilizado em afecções do aparelho digestivo como laxante e vermífugo”

“Entre as plantas africanas, trazidas pelos escravos, destacam-se:
a) Avelós (Euphorbia sp., Euphorbiaceae) – Seu látex é utilizado popularmente como agente anticancerígeno;
b) Mamona (Ricinus communis, Euphorbiaceae) – Sua semente produz o óleo de rícino, usado como laxante, principalmente nas áreas rurais do país;
c) Babosa (Aloe barbadensis, Liliaceae) – Utilizada como emoliente em várias formulações cosméticas, graças à ação das mucilagens; como laxante, graças às antraquinonas (grupo de substâncias químicas que produzem uma forte irritação na mucosa intestinal); contra inflamação cutânea e queimaduras. Propriedades antitumorais são atribuídas às folhas de babosa, mas não existe até o momento comprovação científica desse efeito em humanos;
d) Coleus blumei, Lamiaceae, nome vulgar “entrada al baile” ou “simorilla” – É cultivada como planta ornamental, mas as folhas trituradas são empregadas em processos inflamatórios, como reumatismo.”

“Alguns exemplos de plantas utilizadas como remédio pelos povos da Amazônia:
a) Pinipisa, lluichu ou lancetilla (Justicia pectoralis, Acanthaceae) – É utilizada como aditivo do paricá, antipirético e antiinflamatório, e como compressas em hematomas. É afrodisíaca e aromática. São utilizadas as folhas moídas ou maceradas, o infuso e o decocto;
b) Carapanaúba (Aspidosperma nitidum, Apocynaceae) – Conhecida também como pinsha caspi ou quillobordon, é usada contra febre, malária e afecções do fígado. As partes usadas são o látex e a casca em forma de chá;
c) Anabi (Potalia amara, Loganiaceae). De suas folhas se faz uma infusão, juntamente com pedaços de pequenos ramos, para curar sífilis e intoxicação alimentar. É também utilizada contra envenenamento por mandioca;
d) Janaguba ou sucuuba (Himatanthus sucuuba, Apocynaceae) – O látex e o chá da casca são usados contra tumores, úlceras, asma e tuberculose;
e) Sabugueiro (Sambucus peruviana, Caprifoliaceae) – O chá de suas flores é usado contra catapora;
 f) Quina ou quassia-do-brasil (Quassia amara, Simaroubaceae) – O chá das folhas é usado contra sarampo;
g) Andiroba (Carapa guianensis, Meliaceae) – Suas sementes produzem um óleo usado como antiinflamatório;
h) Acapurana (Campsiandra comosa, Fabaceae) – Seu fruto, macerado em vinagre com sal, é usado em afecções bucais;”

“Das plantas brasileiras – particularmente as amazônicas – utilizadas popularmente, destacam-se:
a) Guaraná (Paullinia cupana, Sapindaceae) – Trepadeira de cultivo antigo, encontrada pela primeira vez por europeus no alto Rio Negro. Age como estimulante sobre o sistema nervoso central, com sua alta concentra- ção de cafeína. É utilizada em casos de esgotamento físico e nervoso, além de possuir propriedades antidiarréicas, diuréticas e febrífugas;
b) Curare, nome de algumas espécies de Menispermaceae, pertencente aos gêneros Chondodendron, Curarea e Abuta, e de Loganiaceae, gênero Strychnos é um dos grupos de plantas utilizados na preparação do curare. Uncaria guianensis, cipó chamado unha-de-gato. Apresenta diversos usos tradicionais na Amazônia.
c) Sangue-de-drago (Croton lechleri, Euphorbiaceae) – Uma das plantas medicinais mais valorizadas da Amazônia ocidental, é uma pequena árvore das matas de várzea. Sua resina vermelho-sangue é utilizada externamente como cicatrizante de lesões e feridas e internamente para tratar úlceras, hemorragias e vários problemas do sangue. Pesquisas farmacológicas comprovaram atividade contra certos vírus, fungos da pele e bactérias causadores de diarréia em pacientes com AIDS, porém estudos mais aprofundados ainda são necessários;
d) Muirapuama (Ptychopetalum olacoides, Olacaceae) – Encontrada dispersa na Amazônia brasileira e na Guiana Francesa, é popularmente utilizada sob a forma de extratos, tinturas e vinho, como afrodisíaco e tônico, para tratar doenças do sistema nervoso, reumatismo e nevralgias. Em sua constituição química encontram-se duas classes de compostos: alcalóides e esteróis;
e) Unha-de-gato (Uncaria guianensis e U. tomentosa, Rubiaceae – Duas espécies de cipós têm esse nome porque apresentam pares de gavinhas recurvadas e agudas em cada nó, semelhantes à unha do gato. O decocto feito com a casca é usado tradicionalmente como antiinflamatório, anti-reumático, contraceptivo, contra úlceras gástricas e tumores. É considerado um remédio contra afecções do trato urinário feminino. Algumas tribos a utilizam contra gonorréia e disenteria. Nos últimos anos cresceu sua reputação para atividade contra câncer e AIDS e, em conseqüência disso, toneladas da casca são exportadas para o exterior, principalmente do Peru, por empresas de fitoterápicos;”

“Substâncias derivadas de plantas como a vincristina, de Catharanthus roseus, etoposídeo (derivado de podofilotoxina, que é extraída de Podophyllum peltatum), a camptotecina, de Camptotheca acuminata, e o taxol, de Taxus brevifolia, foram isoladas, identificadas durante esse período pelo National Cancer Institute e por laboratórios de colaboradores nos EUA. Esses compostos foram liberados para o uso humano pelo órgão que regulamenta e controla a comercialização de drogas e comidas nos Estados Unidos (Food and Drugs Administration — FDA), após um extensivo período de pesquisas de sua eficiência e efeitos colaterais.”

“Nativa de Madagascar, Catharanthus roseus, que no Brasil chama-se boanoite, vinca ou maria-sem-vergonha, conforme a região, é cultivada como planta ornamental em todo o mundo. Há relatos antigos de seu emprego popular na Jamaica para tratar o diabetes. Estudos farmacológicos mais recentes descobriram em Catharanthus roseus a ação antitumoral de duas das mais importantes drogas usadas para o combate à leucemia: a vincristina e a vinblastina. Essas substâncias agem inibindo a polimerização da tubulina, proteína constituinte do fuso, essencial no processo de divisão celular.”
- todos excertos acima  foram extraídos de http://ecologia.ib.usp.br/guiaigapo/images/livro/RioNegro08.pdf
às 22hrs de 28/06/2015


“Precisamos lutar para que as populações culturalmente diferenciadas, como são os povos indígenas, possam participar do desenvolvimento da sociedade, mantendo sua identidade, buscando novos mercados consumidores para a venda de seu artesanato e produtos que sejam desenvolvidos a partir do conhecimento indígena. Estas ações devem ser baseadas no etnodesenvolvimento, cujo princípio estabelece a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas. Com isso, essas comunidades podem deixar de ser minorias excluídas, passando a sujeitos de direito e protagonistas da sua própria história.” – extraído de http://pre.univesp.br/biopirataria-e-os-povos-indigenas#.VZCeXRtViko
às 23hrs de 28/06/2015


Metodologia
Para responder a primeira parte da pergunta norteadora (Qual a importância das plantas medicinais para a população residente do Baixo Rio Negro?) o grupo adotou como método o diálogo com personagens chave do estudo de meio realizado. Seu Manoel, dona Raimunda, velha moradora da Comunidade Bela vista, e professores, tanto da Comunidade Cambeva quanto da Bela Vista, foram alvo de inúmeras perguntas. Além do mais, foram realizadas conversas com moradores locais jovens de ambas comunidades citadas, afim de entender também qual é a perspectiva à conservação da prática do uso das plantas medicinais.
A segunda parte da pergunta (por que o seu uso enfrenta dificuldades nos centros urbanos?) foi respondida através de pesquisas  leituras cuja fonte principal foi o livro “Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas”. Este mesmo foi também utilizado para a primeira parte.

Definição do objeto em estudo de campo
Na quarta-feira, dia 3 de setembro de 2015, atracamos na comunidade da Bela Vista do Jaraqui para iniciar nossa pesquisa sobre plantas medicinais. Nessa etapa do processo de investigação do nosso tema buscávamos apenas a resposta da primeira parte da questão norteadora, sobre a importância das plantas medicinais para a população do baixo Rio Negro.
Assim que entramos na comunidade saudamos a professora local e perguntamos sobre pessoas da vila que poderiam ajudar-nos. O resultado foi interessante, a professora citou o nome de várias plantas com uso medicinal e disse que aquilo era “cultura geral” da cominidade.
Ela indicou-nos três moradores antigos e conhecedores: Dona Raimunda, Seu Manoel, e sua esposa, Dona Maria. Fomos encontrar a pessoa mais idosa do local, a hospitaleira Dona Raimunda e seus netos. Quem acompanhou-nos foi a neta Aline de Seu Manoel. O conhecimento da senhora de 70 anos é abundante. Logo nos acomodou em sua sala e listou (de memória) algumas enfermidades e seus respectivos medicamentos.
Para vermes intestinais, que podem ir até o pulmão (se não tratado), usa-se o leite do pau do caule da Janaúba. Esse “leite” é extraído em um processo similar ao da extração do látex nas seringueiras, e já pode ser facilmente encontrado em farmácias e mercados de Manaus, embora na Bela Vista todo o plantio seja para consumo interno.
A erva-cidreira é utilizada para dores de barriga e de cabeça. Com ela é feito um chá, que pode se ser resfriado antes do consumo.
Para diabetes, usa-se o chá da raiz da Jurubeba, uma planta usada em quase toda sua totalidade, com fins médicos, econômicos, ou alimentícios.
A Carapanaúba é uma planta muito utilizada. Sua casca e entrecasca são fervidas em água para fazer um chá que cura bronquite problemas no fígado, estomago, impaludismo (vírus) e febre. Também auxilia no controle ao diabetes, se macerada a casca em água fria.
A Andiroba alivia vermes intestinais e febre quando sua casca é fervida e o líquido é tomado. Se a casca for “curada” em água por um e forem bebidos 50 ml da mesma antes da refeição, não haverá problemas de digestão. Sua castanha solta um óleo para massagear bebes com cólica, além de ser utilizado como repelente de insetos e combustível de lamparina. A indústria cosmética e farmacêutica tem enormes interesses nessa arvore. O chá da folha de abacate é usado para conter infecções renais e urinarias.
 Uma planta com seu uso ancestral, por povos indígenas, é a Saracura. O pó de sua casca, quando diluído e consumido em jejum serve para cansaço físico, perda de memória, insônia, e, com sucesso, a malária. Esta última enfermidade ainda é bem comum lá, acompanhada da leishmaniose, diabetes e hipertensão.  Isso acusa uma falta de medidas preventivas, o que também comentou um médico cubano, contratado pelo programa do Governo Federal “Mais Médicos”, o Dr. Lino, da Vila Acajatuba.
Os jovens deram visões diversas sobre essas plantas. Todos sabem do uso de pelo menos meia dúzia. Além disso, nenhum duvida de sua eficácia. Porém quando questionados se preferem pílulas ou plantas as opiniões são divididas. Os defensores dos medicamentos sintéticos reclamam do gosto ruim do chá medicinal. Já os defensores das plantas assumem o mesmo discurso de Dona Raimunda, de que os sintéticos apenas aliviam os sintomas, mas não curam a doença, causando ainda efeitos colaterais problemáticos.
No final da entrevista, Dona Raimunda mostrou sua pequena e prospera horta para fins alimentícios e medicinais. E por que não para compartilhar? “Aqui todo vizinho se ajuda sempre.” – disse a jovem Aline na saída da Vila.
Na sequência do estudo de campo a próxima comunidade estudada foi a do povo indígena Cambeva. Lá foi entrevistado o professor da comunidade, Raimundo, que confirmou a eficácia e a importância das plantas medicinais para a cultura daquela população como um todo, para alimentação caça e até para a realização de rituais.
Foi dito também que em caso de doenças, a primeira providência é o uso da planta medicinal, mas se persistirem os sintomas medicações sintéticas são consumidas e um médico é consultado.
“No final do quarto dia, quando íamos dormir na mata senti-me febril e retornei ao barco. As cozinheiras e até parte da tripulação, ao perceberem meu mal estar disseram que eu devia tomar um caldo de mingau, “o remédio amazônico”, como diziam eles. Mingau, farinha de tapioca (ingrediente indígena) e alho (trazido ao Brasil pelos europeus) foram os ingredientes que identifiquei. De qualquer maneira não havia muito gosto. Não havia, também, componentes medicinais – não que eu tenha notado, pois no dia seguinte tive de ir ao hospital – mas as pessoas que me aconselharam a tomar o caldo acreditavam veementemente que tal ato surtiria efeito no meu organismo doente.” – Guilherme Esteves.
Este episódio foi descrito para exemplificar o misticismo que ronda a questão da do uso das plantas medicinais pelas populações amazônicas. É certo que algumas das plantas utilizadas por Dona Raimundo, por seu Manoel ou pelos Cambebas ainda não foram analisadas em laboratório e podem não ter eficácia científica, no entanto, o seu uso permanece presente no cotidiano desses ribeirinhos e indígenas, pois estes realmente acreditam religiosamente que determinadas plantas combatem certos sintomas. Há inclusive uma planta denominada Sara-tudo cujo chá da folha cura a dor de cabeça, dor no corpo, resfriado, mal estar, entre outros. É claro que a planta não possui tantos princípios ativos capazes de “sarar tudo”, mas a crença na pratica intensifica a eficácia do uso.
Esse misticismo que se discute na questão da utilização destes medicamentos naturais, acompanhado aos inúmeros e impressionantes relatos de sua eficácia levantam suspeitas para o Efeito Placebo. Nele se estuda a relação entre a crença no resultado de um remédio e seu real efeito.

Conclusão
O uso das plantas medicinais trata-se de uma tradição transmitida de geração a geração, de valores que não condizem com o uso do remédio industrializado. É um uso sustentado pelas crenças indígenas e caboclas, de autossuficiência, em harmonia com o meio ambiente, sustentado pelo misticismo e efeito placebo.
Para responder a segunda parte de nossa questão norteadora, acerca do uso das plantas medicinais em grandes centros urbanos, foram pesquisadas diversas fontes, mas principalmente o livro “Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas” da H.A.R.R. I. Lorenzi e de F.J. Abreu Matos, do qual pertencem as citações abaixo:
“Até o século XX, o Brasil era um país essencialmente rural, com amplo uso da flora medicinal, tanto a nativa, quanto a introduzida. Com o início da industrialização e subsequente urbanização do país, o conhecimento tradicional passou a ser posto em segundo plano. O acesso aos medicamentos sintéticos e o pouco cuidado com a comprovação das propriedades farmacológicas das plantas tornou o conhecimento da flora medicinal sinônimo de atraso tecnológico e, muitas vezes, charlatanismo. Essas tendências seguiram o que já acontecera em outros países em processo de urbanização.”
“Um segundo aspecto que certamente contribuiu para o afastamento do estudo das plantas medicinais e restante da ciência foi a ampla resistência desta primeira às profundas alterações que tanto a sistemática vegetal quanto a medicina experimentaram no final do século XIX e todo o século XX. Fortemente baseado em trabalhos mais clássicos, o estudo das plantas medicinais mostrou uma resistência inicial ao acompanhar as grandes revoluções cientificas ocorridas nestes períodos. Essa inadequação inicial manteve a fitoterapia em um período de obscurantismo, onde esteve mais próxima do misticismo do que da ciência.”

Resultados
Destarte, é evidente que o uso das plantas medicinais trata-se de uma tradição transmitida de geração em geração. As culturas indígena, europeia e africana, e por sua vez, a cabocla são agentes fundamentais para a conservação dos saberes fitoterápicos e, consequentemente, para a preservação da população local. No entanto, o aumento do consumismo decorrente do processo de urbanização dificulta a perpetuação destas práticas tradicionais. Por isso, deve-se reconhecer e respeitar a importância não só medicinal, mas também antropológica das plantas.

Referências

LORENZI, H.; MATOS, F.J.A. Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas. Nova Odessa: Instituto Plantarum, 2002. p.484.         

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Resenha do livro “A Idade Média: Nascimento do Ocidente”, de Hilário Franco Júnior

por Marco Magli

“A Idade Média: Nascimento do Ocidente” (Brasiliense, 208 páginas, 61 reais), de Hilário Franco Júnior é uma obra que mesmo que sucinta e sem uma linguagem academicista, consegue aprofundar-se em diversos eixos temáticos da Idade Média, não só serve de apresentação desse período histórico, mas também abre caminho para a reflexões fundamentais. Franco Júnior é professor de História Medieval na USP e pós doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, com Jacques Le Goff. Além da obra em questão, analisada nesta resenha, o autor medievalista tem outras obras que são notáveis em sua carreira, como “As Cruzadas” (São Paulo, Brasiliense, 1981), “Os três dedos de Adão” (São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2010) e “O ano 1000: Tempo de medo ou de esperança?” (São Paulo, Companhia das Letras, 1999).

A leitura deste livro é apresentada pelo prefácio e pela introdução, pedaços importantes em que o autor consegue dialogar diretamente com o leitor. O prefácio faz exatamente essa função em que Franco Júnior explica ao leitor algumas escolhas que ele fez no processo de produção dessa obra, como o número de páginas e a organização dos índices e imagens. Nesta parte o autor também analisa o crescimento do interesse público com temas medievais no Brasil, e considera que “medievalismo se tornou uma espécie de carro-chefe da historiografia contemporânea, ao propor temas, experimentar métodos, rever conceitos, dialogar intimamente com outras ciências humanas.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 13). É no prefácio também que Franco Júnior esclarece que a obra a seguir não seguirá uma tradicional ordem cronológica, mas sim cada capítulo, que dizem respeito aos grandes eixos da Idade Média, terá sua ordem cronológica própria.

Na introdução o autor traz um panorama mais geral da Idade Média para contextualizar o leitor. Discussões básicas, mas complexas e importantes são colocadas nesta parte do texto, como a de quando começa e termina a Idade Média, sempre com Franco Júnior apresentando mais que uma só resposta. Além disso a introdução é interessantíssima, pois o autor tem a preocupação em mostrar como a Idade Média foi vista e ressignificada em diversos momentos da história mundial, como no Iluminismo, no século XX ou para os românticos. Como o autor expressa bem no excerto “(...) a Idade Média permanecia incompreendida. Ela ainda oscilava entre o pessimismo renascentista/iluminista e a exaltação romântica.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 12). Assim o autor já dá uma ideia de como a Idade Média é um grande objeto de curiosidade humana.

O primeiro capítulo aborda as “Estruturas demográficas”, ou seja, trata sobre as populações em diversos aspectos sob um viés quantitativo, em que o autor começa mostrando como essa área de estudo é recente, porém é fundamental para se fazer análises. Franco Júnior tipifica a Idade Média no chamado “Antigo Regime Demográfico, típico das sociedades agrárias, pré-industriais: alta taxa de natalidade e alta taxa de mortalidade.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 21). Mas o autor não se atém somente a essa explicação generalizada desse período complexo de cerca de 1000 anos.

A Primeira Idade Média, referida pelo autor do século IV ao VIII, é um período em que a organização demográfica de Europa se relaciona com o desmanche da sociedade romana e se aparelho estatal, provocando mudanças na produção e abastecimento alimentício, agora espalhando-se cada vez mais pelo continente, na qual cada região passava a produzir. Assim, as regiões desintegradas ficam mais suscetíveis à pestes e más colheitas, e consequentemente ao aumento da mortalidade. O autor indica um movimento circular entre a produção e a demografia expresso no trecho: “(...) a fraqueza demográfica engendrava a fraqueza dos rendimentos e esta por sua vez engendrava a fraqueza demográfica, reforçando assim a causa da pobreza.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 22). Todos esses fatores somam-se às pestes que atacaram nesta época, como a malária, a varíola e a “mortífera peste”.

A Alta Idade Média (séc. XIII – X) é um período de recuperação demográfica desigual, pois partes da Europa ainda viviam a fome. Mas diversos fatores, desde ineficiência da expansão Carolíngia, os métodos contraceptivos e abortivos, o sacrifício de bebês do sexo feminino (pois seriam “menos produtivas” nos campos) até as devastadoras invasões muçulmanas e vikings foram fundamentais para que esse crescimento populacional pudesse ser classificado como “tímido” para o autor.
        
    Na Idade Média Central (séc. XI – XIII) o autor descreve uma certa expansão demográfica, que embora mal documentada, é explorada e alguns motivos principais dessa expansão são destacados pelo autor. O primeiro é um acentuado movimento de migração, o qual Franco Junior justifica usando uma citação de Jacques Le Goff: “a mobilidade dos homens da Idade Média foi extrema e desconcertante”. Isso pois a propriedade era quase desconhecida na Idade Média.
     
        O segundo motivo dessa “expansão” é uma quantidade significativa de arroteamentos, que de acordo com o Dicionário Priberam significa ”1. Desmoitar a terra do mato para cultivá-la. 2. Desbravar”, processo que foi estimulado no século X, mas ganhou verdadeiro impulso no século XII.

Mais um dos motivos da ascensão demográfica neste período é apontado pelo autor: “Outra indicação da expansão demográfica do Ocidente cristão está no acentuado crescimento da população urbana naquele período.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 27). As cidades da Península Itálica, como Genova e Veneza, são apontadas como expoentes da urbanização e tinham populações que devem ter ultrapassado os 100.000 habitantes.

Para reforçar sala argumentação sobre o deslocamento populacional na Europa Ocidental na Idade Média o autor, não se sustenta apenas com palavras, mas apresenta ao leitor tabelas e mapas. Isso sustenta também a ideia do autor exposta no prefácio de que o medievalismo é uma aérea da historiografia que dialoga com outros campos de conhecimento.

Franco Júnior explica a queda populacional da Baixa Idade Média (séc. XIV – XVI) por um fator bastante conhecido e explorado pelos historiadores: a peste negra. Segundo suas pesquisas estima-se que “(...) a Europa ocidental perdeu cerca de 30% de seus habitantes naquela ocasião, e só retomaria o nível populacional pré-peste 200 anos depois, em meados do século XVI.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 37).

Adiante o autor apresenta um capítulo chave para a compreensão de qualquer sociedade, inclusive a medieval. Nesta parte Franco Júnior discute acerca da economia destes períodos.

Inicia-se esta parte com um debate sobre a falta de dados numéricos em que há no período medieval, mas o autor reflete que a própria “falta de dados numéricos” é uma informação que não deve ser desprezada pelo historiador quando coloca que “Entendeu-se que a limitação das fontes econômicas medievais não era mero incidente, mas fato que traduzia o espírito da época, mais preso a imagens, palavras e gestos do que a números.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 39).

Dos séculos IV ao X é caracterizado na obra como “Escassez Endêmica”, expressão de Renée Doehaerd, na qual a produtividade era tão reduzida que o mercado se movimentava de forma extremamente lenta e limitada. Com essa produção escassa diminui a possibilidade de bens de consumo e retrai o comércio.

Em seguida o autor discorre sobre os tipos do principal meio de produção da época: as terras. Existiam tipos diferentes de terras como a terra indominicata, explorada diretamente pelo senhor, que se difere dos mansos, uma pequena unidade produtiva camponesa. Essas terras eram fundamentais na economia, explica o autor, pois o camponês trabalhava para o senhor, relação chamada de corveia, e dessa forma, recebia seu manso. Ainda sobre o setor primário, é apresentado o “sistema trienal” de cultivo, baseado no revezamento de espécies cultivadas na mesma terra, um grande avanço tecnológico que permitia maior produtividade.

O comércio e a manufatura eram partes menos importantes na cadeia produtiva medieval, por isso estavam fadados a ter menos mão-de-bra que a agricultura. O segundo setor se restringia ao artesanato, rural ou urbano, que aparece no século VIII e o terceiro setor está limitado ao comércio, que estava fortemente atrelado às relações com regiões, como o contato com os muçulmanos.

Cronologicamente o autor decorre o tema sobre as estruturas econômicas até um período que vale destaque em que é apresentado o “pré-capitalismo medieval”. O período medieval foi um período de expansão econômica e tecnológica, e por isso muitos tentam argumentar sobre um “capitalismo medieval” o qual o autor considera “Expressão, no mínimo, problemática. Contudo, adotando-se uma definição ampla de capitalismo — por exemplo, sistema econômico centrado na posse privada de capital (mercadorias, máquinas, terras, dinheiro, conhecimento técnico) empregado de maneira a se reproduzir continuamente, ficando os desprovidos dele obrigados a vender sua força de trabalho — poderíamos talvez aceitar sua existência nos últimos séculos da Idade Média.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 58).

Para o autor o termo pré-capitalismo seja mais interessante, pois faltava uma estrutura política que privilegiasse a “classe capitalista”, ademais a mentalidade da época “colocava barreiras a típicas atitudes capitalistas”, segundo o autor.

A crise da Baixa Idade Média é mostrada por Franco Júnior como um objeto de debates recentes na historiografia para tentar encontrar um “fator principal”. A agricultura não mostrava taxas de crescimento, prejudicando toda a sociedade, como o setor terciário, que viu suas margens de lucro reduzidas. Em suma “(...) o século XIV e a primeira metade do século XV foram uma fase de crise conjuntural, que provocaria, porém, abalos estruturais. Dela sairia a economia moderna.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 62).

Em seguida, o autor mostra-se preocupado no debate sobre como imaginário está ligado à política. O autor inicia esta parte fazendo referências a historiadores medievalistas modernos que também compartilhavam dessa preocupação, como Marc Bloch e Le Goff.

Franco Júnior inicialmente aponta para o desenvolvimento da ideia de, país, pátria, Estado e, principalmente, nação, de acordo com ele “O princípio jurídico romano da territorialidade das leis, ou seja, a submissão aos costumes locais, qualquer que fosse a origem da pessoa, reganharia força aos poucos, sobretudo a partir do século XII. Somente então “nação” passou a ter caráter também geográfico e político.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 65).

Cronologicamente, o autor mostra o início da época medieval como um período de fragmentação dos territórios, e por conseguinte, de uma unidade ou estrutura política. Isso por conta das invasões de outros “povos bárbaros” que quebraram a unidade romana.

Já no Período Carolíngio Franco Júnior tenta expor a tentativa de criação de unidade política e encontrar os motivos de seu fracasso, com no excerto: ‘O que explica esse fracasso do Império Carolíngio e portanto a passagem, mais uma vez, para a pluralidade política? Em primeiro lugar, o fato de o Império não ter unidade orgânica, assentando-se sobre dois princípios contraditórios: o universalismo das tradições romana e cristã e o particularismo tribal germânico.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 72).

O autor discorre sobre os poderes universais e nacionais. O primeiro, explica as relações de Carlos Magno com a Igreja e os motivos que levaram a sua coroação. O segundo o autor trata dos diferentes povos com seus costumes tradicionais, como o contratualismo germânico e aponta para o surgimento de particularidades nacionais, como idiomas.

O autor apresenta por fim a surgimento do absolutismo na Europa, com os estados nacionais já unificados. Mesmo assim, o autor não abandona o quesito feudal da Baixa Idade Média, mas atribui grande importância ao surgimento do nacionalismo, como no trecho:’ Na perspectiva desta, as guerras monárquicas poderiam ser o caminho para restabelecer seu poder e controlar o próprio Estado. Deste duplo ponto de vista, a Guerra dos Cem Anos foi também o grande conflito feudal da Idade Média.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 88).

O próprio Franco Júnior apresenta de forma sublime o que tratará no capítulo futuro traçando quase uma linha do tempo: “Num primeiro momento, a organização da hierarquia eclesiástica visava à consolidação da recente vitória do cristianismo. A seguir, a aproximação com os poderes políticos garantiu à Igreja maiores possibilidades de atuação. Em uma terceira fase, o corpo eclesiástico separou-se completamente da sociedade laica e procurou dirigi-la, buscando desde fins do século XI erigir uma teocracia que esteve em via de se concretizar em princípios do século XIII. Contudo, por fim, as transformações que a Cristandade* conhecera ao longo desse tempo inviabilizaram o projeto papal e prepararam sua maior crise, a Reforma Protestante do século XVI.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 89).

Primeiramente o autor se debruça sobre a consolidação hierárquica na Igreja. Com isso também são exploradas novas regras que aparecem dentro da Igreja de acordo com a passagem do tempo, como celibato, que não era obrigatório aos clérigos. O autor ainda mostra que esses novos arranjos na Igreja se deram por conta de dificuldades encontradas pela mesma, como monitorar o paganismo e espalhar a mensagem divina. Paradoxalmente, o autor apresenta as heresias como fundamentais para desenvolver e consolidar uma hierarquia eclesiástica. Isso pois tudo aquilo que pudesse ser considerado herético era levado aos bispos e assim por diante aos seus superiores.

Na Alta Idade Média o autor tenta novamente explicar as relações de Carlos Magno, que se considerava o verdadeiro defensor da cristandade, e a Igreja. Franco Junior novamente encontra palavras para sintetizar essa passagem, quando a descreve como “uma sociedade onde o papa ocupou, primeiro, o lugar de sócio menor, depois de igual, pretendendo, por fim, a direção suprema” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 95).

A igreja passa a ser autônoma e, sobretudo, protagonista na sociedade a partir da Idade Média Central. As ideias do Mosteiro de Cluny, onde os monges viviam sob silencio e isolamento serviram para superar problemas desenvolvidos no Império Carolíngio, como a violência ligada à terra por meio de abusos dos cavaleiros. A Igreja conseguia por meio desse período centralizar não só o poder religioso mas boa parte do poder político estava em suas mãos.
A Baixa Idade Média foi uma época crítica para a Igreja. Franco Júnior diagnostica que “A crise do pontificado e o desenvolvimento do nacionalismo, fenômenos aliás interligados, desenvolviam o sentimento de autonomia eclesiástica em diversos locais.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 110). Isso é a razão de certa descentralização política, mas também eclesiástica da Igreja.
          
         Mesmo com esses problemas conjunturais a crise estrutural da Igreja ainda estava para acontecer, como explica o autor “Grandes problemas permaneciam, opondo concilio e papa, Igreja e monarquias, Estado Pontifício e Estados italianos, cultura cristã tradicional e nova cultura humanista. Assim, em 1517, exatamente 100 anos depois da volta do papado a Roma, começava o Protestantismo.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 111).

Quanto à estrutura social, o autor mostra que na Primeira Idade média, havia um sentimento de honra às tradições greco-latinas, período caracterizado como uma “idade da restauração”. Dessa forma, o topo da pirâmide social era ocupado por uma aristocracia senatorial. Já na Alta Idade Média Franco Júnior se preocupa com um processo de aristocratização, ou seja, o surgimento de grandes detentores de terra, e consequentemente um poder econômico e político. O autor explica também a sociedade de ordens, na qual havia o clero, a nobreza e os “cidadãos”.

A passagem dessa sociedade de ordens para uma estamental se dá na Baixa Idade Média, assim “(...) o organismo social tornou-se determinável pelos próprios indivíduos.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 132). Nesse período o autor introduz o surgimento de “classes” já dentro do terceiro estado, o movimento migratório de êxodo rural e as revoltas urbanas.

O tema da cultura medieval é abordado, porém quando isso ocorre pode surgir um problema da definição do objeto de estudo em questão, para evita isso o autor já coloca “Para tanto, entenderemos cultura como tudo aquilo que o homem encontra fora da natureza ao nascer. Tudo que foi criado, consciente e inconscientemente, para se relacionar com outros homens (idiomas, instituições, normas), com o meio físico (vestes, moradias, ferramentas), com o mundo extra-humano (orações, rituais, símbolos).” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 138).

O autor coloca de um lado a cultura clerical, como uma cultura mais reconhecida pelos letrados, e a cultura “vulgar”, tão importante quanto, e que é preservada pela tradição oral dos povos, como as canções e certas festas. Outro ponto de reflexão do autor é o surgimento dos idiomas no século VIII principalmente, muitos deles línguas “românticas”, ou seja derivados de Roma, do latim.

Franco Junior surpreende historiograficamente quanto ao fim aborda temas como o cotidiano e a mentalidade na Idade Média, pois são campos ainda recentes. Dessa forma ele, mais uma vez comprova a interdisciplinaridade do medievalismo, sua versatilidade e profundidade.

Quanto ao cotidiano da Idade Média o autor se preocupa em traçar uma comparação quanto à contagem do tempo em diferentes partes da Europa. Ele mostra a influência do latim na nomenclatura dos dias da semana, além da contagem dos anos.

É tratado o tema do sexo na Idade Média como uma sociedade com a moral fixada nos valores da Igreja. Porém “(...) essa interferência eclesiástica na vida íntima dos fiéis não foi aceita com facilidade. Quanto mais recuados no tempo e mais afastados dos grandes centros clericais (sedes de bispado, mosteiros), mais os medievos puderam viver de forma “pagã”, no dizer da Igreja. Os camponeses, em especial, superficialmente cristianizados até fins da Idade Média em várias regiões, quase sempre escapavam àquele controle.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 173). Além disso o autor exemplifica alguns tipos de vestuários, moradias e práticas de lazer antes de tratar da mentalidade medieval.

Como já exposto a História das Mentalidades é um tema recente e de muitas discussões até quanto ao seu significado e abrangência. Franco Júnior para destacar seu objeto coloca que esta história “situa-se no ponto de junção do individual e do coletivo, do longo tempo e do cotidiano, do inconsciente e do intelectual, do estrutural e do conjuntural, do marginal e do geral. [Seu] nível é aquele do cotidiano e do automático, é o que escapa aos sujeitos particulares da História, porque revelador do conteúdo impessoal de seu pensamento(...)”. (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 190).

O autor perpassa por diversos temas como ele mesmo explica “O primeiro deles a ser analisado é a visão sobrenatural que se tinha do universo. Depois o simbolismo, a única linguagem possível para aquela leitura do universo. A seguir, o belicismo, o sentimento de que tudo e todos participam da luta cosmológica entre as forças do Bem e do Mal. Por fim, o contratualismo, as formas de relação com um ou outro daqueles partidos do mundo extra-humano.”.

Essa visão sobrenatural deve-se muito à escatologia bíblica representada por muitos pensadores medievais, como Raul Glaber. Quanto ao simbolismo o autor argumenta que “Naquele mundo no qual todas as coisas eram passíveis de ser vistas como hierofanias, isto é, como algo a mais do que pareciam à primeira vista, uma cosmologia simbólica impunha-se com naturalidade.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 198). Por fim, o contratualismo era “estrutura mental que via o homem ligado, com os correspondentes direitos e deveres, a uma ou outra daquelas forças universais em luta.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 208).

Ao fim da obra o autor retoma a discussão travada no início sobre o significado da Idade Média. Franco Júnior mostra como diversas épocas lidaram com a idade média, desde sua influência no século XX até suas heranças no Brasil, como na literatura de cordel.

Ao fim o autor traz uma conclusão de que a Idade Média é, na verdade, o nascimento do Ocidente autor compara o ser-humano atual ao medieval: “O medievo se sentia impotente diante da natureza, mas convivia bem com ela. O ocidental de hoje se sente a ponto de dominar a natureza, por isso se exclui dela. A fraqueza do homem medieval era sua força, pois gerava desejos, motivações. A força do homem atual é sua fraqueza, pois gera desilusões. Na verdade, foi conseguindo ao longo dos séculos satisfazer aqueles desejos que o homem chegou à situação atual.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 237). Não só vários conceitos, práticas, idiomas, tecnologias e pensamentos surgiram na Idade Média, mas o Homem moderno teve seu nascimento no seio medieval.
            
           Ao fim o autor ainda disponibiliza ao leitor uma série de orientações para uma pesquisa, além de um glossário, quadros comparativos e cronologias. Assim, a obra “A Idade Média: Nascimento do Ocidente” se encontra completa.
            
            Destarte, é preciso destacar a capacidade de síntese do autor nessa obra. São cerca de 1000 anos, complexos e heterogêneos, compilados em pouco menos de 300 páginas, nas quais não faltam referências, exemplos e explicações. O livro tem uma linguagem didática e deve interessar qualquer professor do ensino básico para mostrar algumas passagens para seus alunos, aumentando o leque de exemplos e vozes na sala de aula. Para o estudante de História em graduação a leitura dessa obra é essencial, pois ela explicita aspectos abrangentes sobre a Idade Média. Já para um estudante de especialização a obra possa parecer um tanto quanto genérica e geral, como já avisa o autor na obra. Mas o autor, mesmo assim coloca bibliografias sugeridas a cada capítulo, para aqueles que precisem se aprofundar no debate.
            
          Além do mais, o didatismo se faz presente em quase todos os capítulos por meio de mapas, tabelas ou imagens. Esse material é um rico complemento à leitura e também confere ao livro uma pluralidade linguística, não só se baseando na argumentação textual.
            
     Quanto à organização do livro cabe outro elogio: o recorte temático do autor é extremamente eficaz para a compreensão do período medieval. Muitos historiadores discutem entre a história temática e cronológica, entretanto Franco Júnior consegue destacar temas chave e dentro destes assuntos, destrincha-los cronologicamente, não se opondo a nenhuma das duas vertentes, mas mesclando-as.

Em suma, essa obra de Hilário Franco Júnior corresponde a um excelente exercício de compreensão da Idade Média, assim como de compreensão da historiografia atual. Essa é uma leitura que não é saudosista nem menospreza a Idade Média, mas sim a contextualiza e a explica para que pessoas de hoje entendam o presente a partir do passado. 

Bibliografia:

FRANCO JÚNIOR, H. . A Idade Média, nascimento do Ocidente. 5a. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. 201 p.[1]

ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo. Trad. TelmaCosta. Ed. 3º. Porto: Afrontamento, 1989.