sábado, 11 de março de 2017

A flora medicinal e seus significados: A tradição do uso das plantas medicinais no baixo Rio Negro e sua aplicação nos centros urbanos

A flora medicinal e seus significados

A tradição do uso das plantas medicinais no baixo Rio Negro e sua aplicação nos centros urbanos

Autores:
Aléxis Damazio
Guilherme Esteves 
Marco Magli 

Sumário

Resumo
 Palavras chave e introdução
 Questão norteadora e hipótese
 Embasamento teórico
Metodologia e definição da questão objeto em estudo de campo
 Conclusão
 Resultados e referencias

Resumo
Desde 2012 a Escola Nossa Senhora das Graças promove, no terceiro ano do Ensino Médio, o estudo de meio à Amazônia. O projeto se tornou marca da formação acadêmica da escola. Trabalha-se na preparação para a viagem em diversas áreas do conhecimento: discute-se em sociologia a análise interpretativa dos povos e culturas, aponta-se em Geografia a diversidade de nosso país e a importância de compreender nossas diferentes etnias e são levantados diversos dados sobre os materiais lá encontrados para a pesquisa e discussão em Química. Tal como na área biológica, na Amazônia encontra-se uma vastíssima fauna e flora, considerada a mais diversificada do planeta e, com certeza, a mais fascinante.
Atracamos em comunidades ribeirinhas e povos indígenas, entramos em contato com as diferentes formas de encarar a questão medicinal. Na comunidade Bela Vista, na dos Cambévas e dos Tatuios, e também com ribeirinhos, como o seu Manoel, ou mesmo com a tripulação dos barcos, muito aprendemos a respeito do uso medicinal das plantas.
A resposta à primeira parte de nossa questão norteadora foi respondida em campo, enquanto a segunda foi respondida por meio de estudos e fontes escritas. As plantas medicinais são parte intrínseca da cultura de todos os povos que se instalaram historicamente no baixo Rio Negro, desde caboclos aos ribeirinhos. O uso das plantas com propriedades medicinais nesta localidade é feito para as mais diversas enfermidades, como traumas febre e picadas de cobra. A questão da difusão dessa cultura, das plantas medicinais, nos grandes centros urbanos se deve a uma ampla questão histórica, econômica e ecológica, desde o povoamento massivo desta área.

 Palavras chave:
Matrizes formadoras; cultura cabocla; miscigenação; urbanização; cultivo; tradição; expressões; etnodesenvovimento; biodiversidade; imposição econômicas; fitoterapia; botânica.


Introdução

As plantas medicinais são vastamente utilizadas pelas populações residentes do baixo Rio Negro e detêm ampla importância etnológica, social e ambiental. Seu uso não restringe-se apenas a medicina, mas sim, abrange desde rituais indígenas ao processo de caça e alimentação.
Tal prática vem sendo realizada desde as primeiras organizações populacionais presentes no território amazônico, gerando um processo de sobreposição de conhecimentos no qual as práticas culturais europeias e africanas somaram-se às indígenas. Por isso, o uso de plantas medicinais que é hoje realizado na região vem da miscigenação de três matrizes formadoras da cultura cabocla.
O processo de erosão cultural e de desmatamento das matas nativas, no entanto, dificulta a desgasta e relação dos povos com as plantas que são por eles utilizadas. A devastação de extensas áreas amazônicas, tanto para extração de madeira, quanto para o ampliamento de zonas de plantio, dificulta o processo natural de proliferação das espécies medicinais. Ao mesmo tempo, a imposição de práticas sociais e econômicas sobre as culturas indígenas e caboclas faz com que tradições e saberes a respeito do uso dessas plantas sejam perdidos no tempo.

“Precisamos lutar para que as populações culturalmente diferenciadas, como são os povos indígenas, possam participar do desenvolvimento da sociedade, mantendo sua identidade, buscando novos mercados consumidores para a venda de seu artesanato e produtos que sejam desenvolvidos a partir do conhecimento indígena. Estas ações devem ser baseadas no etnodesenvolvimento, cujo princípio estabelece a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas. Com isso, essas comunidades podem deixar de ser minorias excluídas, passando a sujeitos de direito e protagonistas da sua própria história.” – é o que afirma Samia Roges Jordy Barbieri, procuradora municipal e professora de Direito Indígena.

Questão norteadora:
Qual é a importância das plantas medicinais para a população residente do Baixo Rio Negro, e por que o seu uso enfrenta dificuldades nos centros urbanos?

Hipótese:
As plantas medicinais vêm perdendo o lugar e importância na medicina tradicional da pulação indígena, ribeirinha e cabloca, no baixo Rio Negro, devido à chegada de doenças novas nas últmas décadas e, principalmente, ao acesso a medicamentos industrializados;

Embasamento Teórico:

Citações de LORENZI, H.; MATOS, F.J.A. "Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas." 

“O botânico Richard Spjut calculou que, durante os primeiros 20 anos de triagem de plantas pelo U.S. National Cancer Institute, as espécies indicadas por povos tradicionais como remédios, venenos ou substâncias tóxicas para peixes demonstraram uma probabilidade de resultados positivos preliminares in vitro entre duas e cinco vezes maior que plantas coletadas ao acaso.”

“Estima-se que aproximadamente 79% da população mundial depende de fontes naturais para tratar de enfermidades. Esse é freqüentemente o único recurso disponível às comunidades carentes, em geral habitantes de países tropicais que apresentam enormes barreiras geográficas e financeiras de acesso a medicamentos alopáticos. E quando deparam com doenças como o câncer e a AIDS, muitas vezes os recursos que lhes restam são as plantas medicinais.”

“A importância da busca de novos medicamentos entre os produtos naturais pode ser enfatizada pelos seguintes dados:
– Excluídas as derivadas de bactérias, mais de 60% das drogas aprovadas e candidatas a estudos pre-New Drug Analysis (análise de nova droga) pelo US Food and Drug Administration (FDA), órgão responsável pela liberação e regulamentação de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos, são obtidas de fontes naturais, sobretudo as utilizadas para o combate ao câncer e a doenças infecciosas.
– Uma auditoria realizada em 1973 indicou que, em um período de 15 anos, 25% dos receituários dispensados nos Estados Unidos continham substâncias ativas obtidas de plantas; 13,3%, substâncias obtidas de microrganismos; e 2,7%, substâncias extraídas de animais. Um percentual muito próximo a esse foi observado em 1990, representando um comércio de aproximadamente US$ 15 bilhões.
]– Das novas drogas aprovadas pelo FDA entre 1983 e 1994, 78% dos antibacterianos são de fonte natural; dos 31 agentes anticancerígenos (exceto seis, de origem bacteriana), 61% são derivados de produtos naturais obtidos segundo um modelo de composto quí- mico existente na natureza”

“No Brasil, o etnobotânico William Milliken e colaboradores levantaram a utilização de árvores pelos índios Waimiri-Atroari, habitantes do baixo Rio Negro. Descobriram que cerca de 15% das espécies de árvores acima de 10 centímetros de diâmetro encontradas em um hectare eram usadas como plantas medicinais.”


“Das plantas européias cultivadas na Amazônia, levadas provavelmente pelo colonizador português, destacam-se:
a)      Arnica (Arnica montana, Asteraceae) – Tem conhecida atividade antiinflamatória relacionada com os flavonóides (grupo de substâncias quí- micas) que ela biossintetiza;
b) Alcachofra (Cynara scolymus, Asteraceae), colerética – Favorece o esvaziamento da vesícula biliar, ajuda a diminuir o colesterol e protege cé- lulas hepáticas;
c) Alho (Allium sativum, Liliaceae) – Utilizado em afecções do aparelho digestivo como laxante e vermífugo”

“Entre as plantas africanas, trazidas pelos escravos, destacam-se:
a) Avelós (Euphorbia sp., Euphorbiaceae) – Seu látex é utilizado popularmente como agente anticancerígeno;
b) Mamona (Ricinus communis, Euphorbiaceae) – Sua semente produz o óleo de rícino, usado como laxante, principalmente nas áreas rurais do país;
c) Babosa (Aloe barbadensis, Liliaceae) – Utilizada como emoliente em várias formulações cosméticas, graças à ação das mucilagens; como laxante, graças às antraquinonas (grupo de substâncias químicas que produzem uma forte irritação na mucosa intestinal); contra inflamação cutânea e queimaduras. Propriedades antitumorais são atribuídas às folhas de babosa, mas não existe até o momento comprovação científica desse efeito em humanos;
d) Coleus blumei, Lamiaceae, nome vulgar “entrada al baile” ou “simorilla” – É cultivada como planta ornamental, mas as folhas trituradas são empregadas em processos inflamatórios, como reumatismo.”

“Alguns exemplos de plantas utilizadas como remédio pelos povos da Amazônia:
a) Pinipisa, lluichu ou lancetilla (Justicia pectoralis, Acanthaceae) – É utilizada como aditivo do paricá, antipirético e antiinflamatório, e como compressas em hematomas. É afrodisíaca e aromática. São utilizadas as folhas moídas ou maceradas, o infuso e o decocto;
b) Carapanaúba (Aspidosperma nitidum, Apocynaceae) – Conhecida também como pinsha caspi ou quillobordon, é usada contra febre, malária e afecções do fígado. As partes usadas são o látex e a casca em forma de chá;
c) Anabi (Potalia amara, Loganiaceae). De suas folhas se faz uma infusão, juntamente com pedaços de pequenos ramos, para curar sífilis e intoxicação alimentar. É também utilizada contra envenenamento por mandioca;
d) Janaguba ou sucuuba (Himatanthus sucuuba, Apocynaceae) – O látex e o chá da casca são usados contra tumores, úlceras, asma e tuberculose;
e) Sabugueiro (Sambucus peruviana, Caprifoliaceae) – O chá de suas flores é usado contra catapora;
 f) Quina ou quassia-do-brasil (Quassia amara, Simaroubaceae) – O chá das folhas é usado contra sarampo;
g) Andiroba (Carapa guianensis, Meliaceae) – Suas sementes produzem um óleo usado como antiinflamatório;
h) Acapurana (Campsiandra comosa, Fabaceae) – Seu fruto, macerado em vinagre com sal, é usado em afecções bucais;”

“Das plantas brasileiras – particularmente as amazônicas – utilizadas popularmente, destacam-se:
a) Guaraná (Paullinia cupana, Sapindaceae) – Trepadeira de cultivo antigo, encontrada pela primeira vez por europeus no alto Rio Negro. Age como estimulante sobre o sistema nervoso central, com sua alta concentra- ção de cafeína. É utilizada em casos de esgotamento físico e nervoso, além de possuir propriedades antidiarréicas, diuréticas e febrífugas;
b) Curare, nome de algumas espécies de Menispermaceae, pertencente aos gêneros Chondodendron, Curarea e Abuta, e de Loganiaceae, gênero Strychnos é um dos grupos de plantas utilizados na preparação do curare. Uncaria guianensis, cipó chamado unha-de-gato. Apresenta diversos usos tradicionais na Amazônia.
c) Sangue-de-drago (Croton lechleri, Euphorbiaceae) – Uma das plantas medicinais mais valorizadas da Amazônia ocidental, é uma pequena árvore das matas de várzea. Sua resina vermelho-sangue é utilizada externamente como cicatrizante de lesões e feridas e internamente para tratar úlceras, hemorragias e vários problemas do sangue. Pesquisas farmacológicas comprovaram atividade contra certos vírus, fungos da pele e bactérias causadores de diarréia em pacientes com AIDS, porém estudos mais aprofundados ainda são necessários;
d) Muirapuama (Ptychopetalum olacoides, Olacaceae) – Encontrada dispersa na Amazônia brasileira e na Guiana Francesa, é popularmente utilizada sob a forma de extratos, tinturas e vinho, como afrodisíaco e tônico, para tratar doenças do sistema nervoso, reumatismo e nevralgias. Em sua constituição química encontram-se duas classes de compostos: alcalóides e esteróis;
e) Unha-de-gato (Uncaria guianensis e U. tomentosa, Rubiaceae – Duas espécies de cipós têm esse nome porque apresentam pares de gavinhas recurvadas e agudas em cada nó, semelhantes à unha do gato. O decocto feito com a casca é usado tradicionalmente como antiinflamatório, anti-reumático, contraceptivo, contra úlceras gástricas e tumores. É considerado um remédio contra afecções do trato urinário feminino. Algumas tribos a utilizam contra gonorréia e disenteria. Nos últimos anos cresceu sua reputação para atividade contra câncer e AIDS e, em conseqüência disso, toneladas da casca são exportadas para o exterior, principalmente do Peru, por empresas de fitoterápicos;”

“Substâncias derivadas de plantas como a vincristina, de Catharanthus roseus, etoposídeo (derivado de podofilotoxina, que é extraída de Podophyllum peltatum), a camptotecina, de Camptotheca acuminata, e o taxol, de Taxus brevifolia, foram isoladas, identificadas durante esse período pelo National Cancer Institute e por laboratórios de colaboradores nos EUA. Esses compostos foram liberados para o uso humano pelo órgão que regulamenta e controla a comercialização de drogas e comidas nos Estados Unidos (Food and Drugs Administration — FDA), após um extensivo período de pesquisas de sua eficiência e efeitos colaterais.”

“Nativa de Madagascar, Catharanthus roseus, que no Brasil chama-se boanoite, vinca ou maria-sem-vergonha, conforme a região, é cultivada como planta ornamental em todo o mundo. Há relatos antigos de seu emprego popular na Jamaica para tratar o diabetes. Estudos farmacológicos mais recentes descobriram em Catharanthus roseus a ação antitumoral de duas das mais importantes drogas usadas para o combate à leucemia: a vincristina e a vinblastina. Essas substâncias agem inibindo a polimerização da tubulina, proteína constituinte do fuso, essencial no processo de divisão celular.”
- todos excertos acima  foram extraídos de http://ecologia.ib.usp.br/guiaigapo/images/livro/RioNegro08.pdf
às 22hrs de 28/06/2015


“Precisamos lutar para que as populações culturalmente diferenciadas, como são os povos indígenas, possam participar do desenvolvimento da sociedade, mantendo sua identidade, buscando novos mercados consumidores para a venda de seu artesanato e produtos que sejam desenvolvidos a partir do conhecimento indígena. Estas ações devem ser baseadas no etnodesenvolvimento, cujo princípio estabelece a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas. Com isso, essas comunidades podem deixar de ser minorias excluídas, passando a sujeitos de direito e protagonistas da sua própria história.” – extraído de http://pre.univesp.br/biopirataria-e-os-povos-indigenas#.VZCeXRtViko
às 23hrs de 28/06/2015


Metodologia
Para responder a primeira parte da pergunta norteadora (Qual a importância das plantas medicinais para a população residente do Baixo Rio Negro?) o grupo adotou como método o diálogo com personagens chave do estudo de meio realizado. Seu Manoel, dona Raimunda, velha moradora da Comunidade Bela vista, e professores, tanto da Comunidade Cambeva quanto da Bela Vista, foram alvo de inúmeras perguntas. Além do mais, foram realizadas conversas com moradores locais jovens de ambas comunidades citadas, afim de entender também qual é a perspectiva à conservação da prática do uso das plantas medicinais.
A segunda parte da pergunta (por que o seu uso enfrenta dificuldades nos centros urbanos?) foi respondida através de pesquisas  leituras cuja fonte principal foi o livro “Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas”. Este mesmo foi também utilizado para a primeira parte.

Definição do objeto em estudo de campo
Na quarta-feira, dia 3 de setembro de 2015, atracamos na comunidade da Bela Vista do Jaraqui para iniciar nossa pesquisa sobre plantas medicinais. Nessa etapa do processo de investigação do nosso tema buscávamos apenas a resposta da primeira parte da questão norteadora, sobre a importância das plantas medicinais para a população do baixo Rio Negro.
Assim que entramos na comunidade saudamos a professora local e perguntamos sobre pessoas da vila que poderiam ajudar-nos. O resultado foi interessante, a professora citou o nome de várias plantas com uso medicinal e disse que aquilo era “cultura geral” da cominidade.
Ela indicou-nos três moradores antigos e conhecedores: Dona Raimunda, Seu Manoel, e sua esposa, Dona Maria. Fomos encontrar a pessoa mais idosa do local, a hospitaleira Dona Raimunda e seus netos. Quem acompanhou-nos foi a neta Aline de Seu Manoel. O conhecimento da senhora de 70 anos é abundante. Logo nos acomodou em sua sala e listou (de memória) algumas enfermidades e seus respectivos medicamentos.
Para vermes intestinais, que podem ir até o pulmão (se não tratado), usa-se o leite do pau do caule da Janaúba. Esse “leite” é extraído em um processo similar ao da extração do látex nas seringueiras, e já pode ser facilmente encontrado em farmácias e mercados de Manaus, embora na Bela Vista todo o plantio seja para consumo interno.
A erva-cidreira é utilizada para dores de barriga e de cabeça. Com ela é feito um chá, que pode se ser resfriado antes do consumo.
Para diabetes, usa-se o chá da raiz da Jurubeba, uma planta usada em quase toda sua totalidade, com fins médicos, econômicos, ou alimentícios.
A Carapanaúba é uma planta muito utilizada. Sua casca e entrecasca são fervidas em água para fazer um chá que cura bronquite problemas no fígado, estomago, impaludismo (vírus) e febre. Também auxilia no controle ao diabetes, se macerada a casca em água fria.
A Andiroba alivia vermes intestinais e febre quando sua casca é fervida e o líquido é tomado. Se a casca for “curada” em água por um e forem bebidos 50 ml da mesma antes da refeição, não haverá problemas de digestão. Sua castanha solta um óleo para massagear bebes com cólica, além de ser utilizado como repelente de insetos e combustível de lamparina. A indústria cosmética e farmacêutica tem enormes interesses nessa arvore. O chá da folha de abacate é usado para conter infecções renais e urinarias.
 Uma planta com seu uso ancestral, por povos indígenas, é a Saracura. O pó de sua casca, quando diluído e consumido em jejum serve para cansaço físico, perda de memória, insônia, e, com sucesso, a malária. Esta última enfermidade ainda é bem comum lá, acompanhada da leishmaniose, diabetes e hipertensão.  Isso acusa uma falta de medidas preventivas, o que também comentou um médico cubano, contratado pelo programa do Governo Federal “Mais Médicos”, o Dr. Lino, da Vila Acajatuba.
Os jovens deram visões diversas sobre essas plantas. Todos sabem do uso de pelo menos meia dúzia. Além disso, nenhum duvida de sua eficácia. Porém quando questionados se preferem pílulas ou plantas as opiniões são divididas. Os defensores dos medicamentos sintéticos reclamam do gosto ruim do chá medicinal. Já os defensores das plantas assumem o mesmo discurso de Dona Raimunda, de que os sintéticos apenas aliviam os sintomas, mas não curam a doença, causando ainda efeitos colaterais problemáticos.
No final da entrevista, Dona Raimunda mostrou sua pequena e prospera horta para fins alimentícios e medicinais. E por que não para compartilhar? “Aqui todo vizinho se ajuda sempre.” – disse a jovem Aline na saída da Vila.
Na sequência do estudo de campo a próxima comunidade estudada foi a do povo indígena Cambeva. Lá foi entrevistado o professor da comunidade, Raimundo, que confirmou a eficácia e a importância das plantas medicinais para a cultura daquela população como um todo, para alimentação caça e até para a realização de rituais.
Foi dito também que em caso de doenças, a primeira providência é o uso da planta medicinal, mas se persistirem os sintomas medicações sintéticas são consumidas e um médico é consultado.
“No final do quarto dia, quando íamos dormir na mata senti-me febril e retornei ao barco. As cozinheiras e até parte da tripulação, ao perceberem meu mal estar disseram que eu devia tomar um caldo de mingau, “o remédio amazônico”, como diziam eles. Mingau, farinha de tapioca (ingrediente indígena) e alho (trazido ao Brasil pelos europeus) foram os ingredientes que identifiquei. De qualquer maneira não havia muito gosto. Não havia, também, componentes medicinais – não que eu tenha notado, pois no dia seguinte tive de ir ao hospital – mas as pessoas que me aconselharam a tomar o caldo acreditavam veementemente que tal ato surtiria efeito no meu organismo doente.” – Guilherme Esteves.
Este episódio foi descrito para exemplificar o misticismo que ronda a questão da do uso das plantas medicinais pelas populações amazônicas. É certo que algumas das plantas utilizadas por Dona Raimundo, por seu Manoel ou pelos Cambebas ainda não foram analisadas em laboratório e podem não ter eficácia científica, no entanto, o seu uso permanece presente no cotidiano desses ribeirinhos e indígenas, pois estes realmente acreditam religiosamente que determinadas plantas combatem certos sintomas. Há inclusive uma planta denominada Sara-tudo cujo chá da folha cura a dor de cabeça, dor no corpo, resfriado, mal estar, entre outros. É claro que a planta não possui tantos princípios ativos capazes de “sarar tudo”, mas a crença na pratica intensifica a eficácia do uso.
Esse misticismo que se discute na questão da utilização destes medicamentos naturais, acompanhado aos inúmeros e impressionantes relatos de sua eficácia levantam suspeitas para o Efeito Placebo. Nele se estuda a relação entre a crença no resultado de um remédio e seu real efeito.

Conclusão
O uso das plantas medicinais trata-se de uma tradição transmitida de geração a geração, de valores que não condizem com o uso do remédio industrializado. É um uso sustentado pelas crenças indígenas e caboclas, de autossuficiência, em harmonia com o meio ambiente, sustentado pelo misticismo e efeito placebo.
Para responder a segunda parte de nossa questão norteadora, acerca do uso das plantas medicinais em grandes centros urbanos, foram pesquisadas diversas fontes, mas principalmente o livro “Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas” da H.A.R.R. I. Lorenzi e de F.J. Abreu Matos, do qual pertencem as citações abaixo:
“Até o século XX, o Brasil era um país essencialmente rural, com amplo uso da flora medicinal, tanto a nativa, quanto a introduzida. Com o início da industrialização e subsequente urbanização do país, o conhecimento tradicional passou a ser posto em segundo plano. O acesso aos medicamentos sintéticos e o pouco cuidado com a comprovação das propriedades farmacológicas das plantas tornou o conhecimento da flora medicinal sinônimo de atraso tecnológico e, muitas vezes, charlatanismo. Essas tendências seguiram o que já acontecera em outros países em processo de urbanização.”
“Um segundo aspecto que certamente contribuiu para o afastamento do estudo das plantas medicinais e restante da ciência foi a ampla resistência desta primeira às profundas alterações que tanto a sistemática vegetal quanto a medicina experimentaram no final do século XIX e todo o século XX. Fortemente baseado em trabalhos mais clássicos, o estudo das plantas medicinais mostrou uma resistência inicial ao acompanhar as grandes revoluções cientificas ocorridas nestes períodos. Essa inadequação inicial manteve a fitoterapia em um período de obscurantismo, onde esteve mais próxima do misticismo do que da ciência.”

Resultados
Destarte, é evidente que o uso das plantas medicinais trata-se de uma tradição transmitida de geração em geração. As culturas indígena, europeia e africana, e por sua vez, a cabocla são agentes fundamentais para a conservação dos saberes fitoterápicos e, consequentemente, para a preservação da população local. No entanto, o aumento do consumismo decorrente do processo de urbanização dificulta a perpetuação destas práticas tradicionais. Por isso, deve-se reconhecer e respeitar a importância não só medicinal, mas também antropológica das plantas.

Referências

LORENZI, H.; MATOS, F.J.A. Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas. Nova Odessa: Instituto Plantarum, 2002. p.484.         

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