A flora
medicinal e seus significados
A tradição do uso das plantas medicinais no baixo Rio Negro e sua
aplicação nos centros urbanos
Autores:
Aléxis Damazio
Guilherme Esteves
Marco Magli
Sumário
Resumo
Palavras chave e introdução
Questão norteadora e
hipótese
Embasamento teórico
Metodologia e definição da
questão objeto em estudo de campo
Conclusão
Resultados e referencias
Resumo
Desde 2012 a Escola Nossa Senhora das Graças promove, no terceiro ano do
Ensino Médio, o estudo de meio à Amazônia. O projeto se tornou marca da
formação acadêmica da escola. Trabalha-se na preparação para a viagem em
diversas áreas do conhecimento: discute-se em sociologia a análise
interpretativa dos povos e culturas, aponta-se em Geografia a diversidade de
nosso país e a importância de compreender nossas diferentes etnias e são
levantados diversos dados sobre os materiais lá encontrados para a pesquisa e
discussão em Química. Tal como na área biológica, na Amazônia encontra-se uma
vastíssima fauna e flora, considerada a mais diversificada do planeta e, com
certeza, a mais fascinante.
Atracamos em comunidades ribeirinhas e povos indígenas, entramos em
contato com as diferentes formas de encarar a questão medicinal. Na comunidade
Bela Vista, na dos Cambévas e dos Tatuios,
e também com ribeirinhos, como o seu Manoel, ou mesmo com a tripulação dos
barcos, muito aprendemos a respeito do uso medicinal das plantas.
A resposta à primeira parte de
nossa questão norteadora foi respondida em campo, enquanto a segunda foi
respondida por meio de estudos e fontes escritas. As plantas medicinais são
parte intrínseca da cultura de todos os povos que se instalaram historicamente
no baixo Rio Negro, desde caboclos aos ribeirinhos. O uso das plantas com
propriedades medicinais nesta localidade é feito para as mais diversas
enfermidades, como traumas febre e picadas de cobra. A questão da difusão dessa
cultura, das plantas medicinais, nos grandes centros urbanos se deve a uma
ampla questão histórica, econômica e ecológica, desde o povoamento massivo
desta área.
Palavras
chave:
Matrizes formadoras; cultura
cabocla; miscigenação; urbanização; cultivo; tradição; expressões;
etnodesenvovimento; biodiversidade; imposição econômicas; fitoterapia;
botânica.
Introdução
As plantas medicinais são vastamente utilizadas pelas populações
residentes do baixo Rio Negro e detêm ampla importância etnológica, social e
ambiental. Seu uso não restringe-se apenas a medicina, mas sim, abrange desde
rituais indígenas ao processo de caça e alimentação.
Tal prática vem sendo realizada desde as primeiras organizações
populacionais presentes no território amazônico, gerando um processo de
sobreposição de conhecimentos no qual as práticas culturais europeias e
africanas somaram-se às indígenas. Por isso, o uso de plantas medicinais que é
hoje realizado na região vem da miscigenação de três matrizes formadoras da
cultura cabocla.
O processo de erosão cultural e de desmatamento das matas nativas, no
entanto, dificulta a desgasta e relação dos povos com as plantas que são por
eles utilizadas. A devastação de extensas áreas amazônicas, tanto para extração
de madeira, quanto para o ampliamento de zonas de plantio, dificulta o processo
natural de proliferação das espécies medicinais. Ao mesmo tempo, a imposição de
práticas sociais e econômicas sobre as culturas indígenas e caboclas faz com
que tradições e saberes a respeito do uso dessas plantas sejam perdidos no
tempo.
“Precisamos lutar para que as populações culturalmente diferenciadas, como são os povos indígenas, possam participar do desenvolvimento da sociedade, mantendo sua identidade, buscando novos mercados consumidores para a venda de seu artesanato e produtos que sejam desenvolvidos a partir do conhecimento indígena. Estas ações devem ser baseadas no etnodesenvolvimento, cujo princípio estabelece a autonomia e autodeterminação dos povos indígenas. Com isso, essas comunidades podem deixar de ser minorias excluídas, passando a sujeitos de direito e protagonistas da sua própria história.” – é o que afirma Samia Roges Jordy Barbieri, procuradora municipal e professora de Direito Indígena.
Questão norteadora:
Qual é a importância das plantas medicinais
para a população residente do Baixo Rio Negro, e por que o seu uso enfrenta
dificuldades nos centros urbanos?
Hipótese:
As plantas medicinais vêm perdendo o lugar e
importância na medicina tradicional da pulação indígena, ribeirinha e cabloca,
no baixo Rio Negro, devido à chegada de doenças novas nas últmas décadas e,
principalmente, ao acesso a medicamentos industrializados;
Embasamento Teórico:
Citações de LORENZI, H.; MATOS, F.J.A. "Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas."
“O botânico Richard Spjut
calculou que, durante os primeiros 20 anos de triagem de plantas pelo U.S.
National Cancer Institute, as espécies indicadas por povos tradicionais como
remédios, venenos ou substâncias tóxicas para peixes demonstraram uma
probabilidade de resultados positivos preliminares in vitro entre duas e cinco
vezes maior que plantas coletadas ao acaso.”
“Estima-se que aproximadamente
79% da população mundial depende de fontes naturais para tratar de
enfermidades. Esse é freqüentemente o único recurso disponível às comunidades
carentes, em geral habitantes de países tropicais que apresentam enormes
barreiras geográficas e financeiras de acesso a medicamentos alopáticos. E
quando deparam com doenças como o câncer e a AIDS, muitas vezes os recursos que
lhes restam são as plantas medicinais.”
“A importância da busca de novos
medicamentos entre os produtos naturais pode ser enfatizada pelos seguintes
dados:
– Excluídas as derivadas de
bactérias, mais de 60% das drogas aprovadas e candidatas a estudos pre-New Drug
Analysis (análise de nova droga) pelo US Food and Drug Administration (FDA),
órgão responsável pela liberação e regulamentação de medicamentos e alimentos
nos Estados Unidos, são obtidas de fontes naturais, sobretudo as utilizadas
para o combate ao câncer e a doenças infecciosas.
– Uma auditoria realizada em 1973
indicou que, em um período de 15 anos, 25% dos receituários dispensados nos
Estados Unidos continham substâncias ativas obtidas de plantas; 13,3%,
substâncias obtidas de microrganismos; e 2,7%, substâncias extraídas de
animais. Um percentual muito próximo a esse foi observado em 1990,
representando um comércio de aproximadamente US$ 15 bilhões.
]– Das novas drogas aprovadas
pelo FDA entre 1983 e 1994, 78% dos antibacterianos são de fonte natural; dos
31 agentes anticancerígenos (exceto seis, de origem bacteriana), 61% são
derivados de produtos naturais obtidos segundo um modelo de composto quí- mico
existente na natureza”
“No Brasil, o
etnobotânico William Milliken e colaboradores levantaram a utilização de
árvores pelos índios Waimiri-Atroari, habitantes do baixo Rio Negro.
Descobriram que cerca de 15% das espécies de árvores acima de 10 centímetros de
diâmetro encontradas em um hectare eram usadas como plantas medicinais.”
“Das plantas européias cultivadas na Amazônia, levadas
provavelmente pelo colonizador português, destacam-se:
a)
Arnica (Arnica montana, Asteraceae) – Tem conhecida
atividade antiinflamatória relacionada com os flavonóides (grupo de substâncias
quí- micas) que ela biossintetiza;
b) Alcachofra (Cynara scolymus,
Asteraceae), colerética – Favorece o esvaziamento da vesícula biliar, ajuda a
diminuir o colesterol e protege cé- lulas hepáticas;
c) Alho (Allium sativum,
Liliaceae) – Utilizado em afecções do aparelho digestivo como laxante e
vermífugo”
“Entre as plantas africanas,
trazidas pelos escravos,
destacam-se:
a) Avelós (Euphorbia sp.,
Euphorbiaceae) – Seu látex é utilizado popularmente como agente anticancerígeno;
b) Mamona (Ricinus communis,
Euphorbiaceae) – Sua semente produz o óleo de rícino, usado como laxante,
principalmente nas áreas rurais do país;
c) Babosa (Aloe barbadensis,
Liliaceae) – Utilizada como emoliente em várias formulações cosméticas, graças
à ação das mucilagens; como laxante, graças às antraquinonas (grupo de
substâncias químicas que produzem uma forte irritação na mucosa intestinal);
contra inflamação cutânea e queimaduras. Propriedades antitumorais são
atribuídas às folhas de babosa, mas não existe até o momento comprovação
científica desse efeito em humanos;
d) Coleus blumei, Lamiaceae, nome
vulgar “entrada al baile” ou “simorilla” – É cultivada como planta ornamental,
mas as folhas trituradas são empregadas em processos inflamatórios, como
reumatismo.”
“Alguns exemplos de plantas
utilizadas como remédio pelos povos
da Amazônia:
a) Pinipisa, lluichu ou
lancetilla (Justicia pectoralis, Acanthaceae) – É utilizada como aditivo do
paricá, antipirético e antiinflamatório, e como compressas em hematomas. É
afrodisíaca e aromática. São utilizadas as folhas moídas ou maceradas, o infuso
e o decocto;
b) Carapanaúba (Aspidosperma
nitidum, Apocynaceae) – Conhecida também como pinsha caspi ou quillobordon, é
usada contra febre, malária e afecções do fígado. As partes usadas são o látex
e a casca em forma de chá;
c) Anabi (Potalia amara,
Loganiaceae). De suas folhas se faz uma infusão, juntamente com pedaços de
pequenos ramos, para curar sífilis e intoxicação alimentar. É também utilizada
contra envenenamento por mandioca;
d) Janaguba ou sucuuba
(Himatanthus sucuuba, Apocynaceae) – O látex e o chá da casca são usados contra
tumores, úlceras, asma e tuberculose;
e) Sabugueiro (Sambucus
peruviana, Caprifoliaceae) – O chá de suas flores é usado contra catapora;
f) Quina ou quassia-do-brasil (Quassia amara,
Simaroubaceae) – O chá das folhas é usado contra sarampo;
g) Andiroba (Carapa guianensis,
Meliaceae) – Suas sementes produzem um óleo usado como antiinflamatório;
h) Acapurana (Campsiandra comosa,
Fabaceae) – Seu fruto, macerado em vinagre com sal, é usado em afecções
bucais;”
“Das plantas brasileiras – particularmente as amazônicas – utilizadas
popularmente, destacam-se:
a) Guaraná (Paullinia cupana,
Sapindaceae) – Trepadeira de cultivo antigo, encontrada pela primeira vez por
europeus no alto Rio Negro. Age como estimulante sobre o sistema nervoso
central, com sua alta concentra- ção de cafeína. É utilizada em casos de
esgotamento físico e nervoso, além de possuir propriedades antidiarréicas, diuréticas
e febrífugas;
b) Curare, nome de algumas
espécies de Menispermaceae, pertencente aos gêneros Chondodendron, Curarea e
Abuta, e de Loganiaceae, gênero Strychnos é um dos grupos de plantas utilizados
na preparação do curare. Uncaria guianensis, cipó chamado unha-de-gato.
Apresenta diversos usos tradicionais na Amazônia.
c) Sangue-de-drago (Croton
lechleri, Euphorbiaceae) – Uma das plantas medicinais mais valorizadas da
Amazônia ocidental, é uma pequena árvore das matas de várzea. Sua resina vermelho-sangue
é utilizada externamente como cicatrizante de lesões e feridas e internamente
para tratar úlceras, hemorragias e vários problemas do sangue. Pesquisas
farmacológicas comprovaram atividade contra certos vírus, fungos da pele e
bactérias causadores de diarréia em pacientes com AIDS, porém estudos mais
aprofundados ainda são necessários;
d) Muirapuama (Ptychopetalum
olacoides, Olacaceae) – Encontrada dispersa na Amazônia brasileira e na Guiana
Francesa, é popularmente utilizada sob a forma de extratos, tinturas e vinho,
como afrodisíaco e tônico, para tratar doenças do sistema nervoso, reumatismo e
nevralgias. Em sua constituição química encontram-se duas classes de compostos:
alcalóides e esteróis;
e) Unha-de-gato (Uncaria
guianensis e U. tomentosa, Rubiaceae – Duas espécies de cipós têm esse nome
porque apresentam pares de gavinhas recurvadas e agudas em cada nó, semelhantes
à unha do gato. O decocto feito com a casca é usado tradicionalmente como
antiinflamatório, anti-reumático, contraceptivo, contra úlceras gástricas e
tumores. É considerado um remédio contra afecções do trato urinário feminino.
Algumas tribos a utilizam contra gonorréia e disenteria. Nos últimos anos
cresceu sua reputação para atividade contra câncer e AIDS e, em conseqüência disso,
toneladas da casca são exportadas para o exterior, principalmente do Peru, por
empresas de fitoterápicos;”
“Substâncias derivadas de plantas
como a vincristina, de Catharanthus roseus, etoposídeo (derivado de
podofilotoxina, que é extraída de Podophyllum peltatum), a camptotecina, de
Camptotheca acuminata, e o taxol, de Taxus brevifolia, foram isoladas,
identificadas durante esse período pelo National Cancer Institute e por
laboratórios de colaboradores nos EUA. Esses compostos foram liberados para o
uso humano pelo órgão que regulamenta e controla a comercialização de drogas e
comidas nos Estados Unidos (Food and Drugs Administration — FDA), após um
extensivo período de pesquisas de sua eficiência e efeitos colaterais.”
“Nativa de Madagascar, Catharanthus
roseus, que no Brasil chama-se boanoite, vinca ou maria-sem-vergonha, conforme
a região, é cultivada como planta ornamental em todo o mundo. Há relatos
antigos de seu emprego popular na Jamaica para tratar o diabetes. Estudos
farmacológicos mais recentes descobriram em Catharanthus roseus a ação
antitumoral de duas das mais importantes drogas usadas para o combate à
leucemia: a vincristina e a vinblastina. Essas substâncias agem inibindo a
polimerização da tubulina, proteína constituinte do fuso, essencial no processo
de divisão celular.”
- todos excertos acima foram extraídos de http://ecologia.ib.usp.br/guiaigapo/images/livro/RioNegro08.pdf
às 22hrs de 28/06/2015
“Precisamos lutar para que as
populações culturalmente diferenciadas, como são os povos indígenas, possam
participar do desenvolvimento da sociedade, mantendo sua identidade, buscando
novos mercados consumidores para a venda de seu artesanato e produtos que sejam
desenvolvidos a partir do conhecimento indígena. Estas ações devem ser baseadas
no etnodesenvolvimento, cujo princípio estabelece a autonomia e
autodeterminação dos povos indígenas. Com isso, essas comunidades podem deixar
de ser minorias excluídas, passando a sujeitos de direito e protagonistas da
sua própria história.” – extraído de http://pre.univesp.br/biopirataria-e-os-povos-indigenas#.VZCeXRtViko
às 23hrs de 28/06/2015
Metodologia
Para responder a primeira parte da pergunta norteadora (Qual a
importância das plantas medicinais para a população residente do Baixo Rio
Negro?) o grupo adotou como método o diálogo com personagens chave do estudo de
meio realizado. Seu Manoel, dona Raimunda, velha moradora da Comunidade Bela
vista, e professores, tanto da Comunidade Cambeva quanto da Bela Vista, foram
alvo de inúmeras perguntas. Além do mais, foram realizadas conversas com
moradores locais jovens de ambas comunidades citadas, afim de entender também
qual é a perspectiva à conservação da prática do uso das plantas medicinais.
A segunda parte da pergunta (por que o seu uso enfrenta dificuldades nos
centros urbanos?) foi respondida através de pesquisas leituras cuja fonte principal foi o livro
“Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas”. Este mesmo foi
também utilizado para a primeira parte.
Definição
do objeto em estudo de campo
Na quarta-feira, dia 3 de setembro de 2015, atracamos na comunidade da
Bela Vista do Jaraqui para iniciar nossa pesquisa sobre plantas medicinais.
Nessa etapa do processo de investigação do nosso tema buscávamos apenas a
resposta da primeira parte da questão norteadora, sobre a importância das
plantas medicinais para a população do baixo Rio Negro.
Assim que entramos na comunidade saudamos a professora local e
perguntamos sobre pessoas da vila que poderiam ajudar-nos. O resultado foi
interessante, a professora citou o nome de várias plantas com uso medicinal e
disse que aquilo era “cultura geral” da cominidade.
Ela indicou-nos três moradores antigos e conhecedores: Dona Raimunda, Seu
Manoel, e sua esposa, Dona Maria. Fomos encontrar a pessoa mais idosa do local,
a hospitaleira Dona Raimunda e seus netos. Quem acompanhou-nos foi a neta Aline
de Seu Manoel. O conhecimento da senhora de 70 anos é abundante. Logo nos
acomodou em sua sala e listou (de memória) algumas enfermidades e seus
respectivos medicamentos.
Para vermes intestinais, que podem ir até o pulmão (se não tratado),
usa-se o leite do pau do caule da Janaúba. Esse “leite” é extraído em um processo
similar ao da extração do látex nas seringueiras, e já pode ser facilmente
encontrado em farmácias e mercados de Manaus, embora na Bela Vista todo o
plantio seja para consumo interno.
A erva-cidreira é utilizada para dores de barriga e de cabeça. Com ela é
feito um chá, que pode se ser resfriado antes do consumo.
Para diabetes, usa-se o chá da raiz da Jurubeba, uma planta usada em
quase toda sua totalidade, com fins médicos, econômicos, ou alimentícios.
A Carapanaúba é uma planta muito utilizada. Sua casca e entrecasca são
fervidas em água para fazer um chá que cura bronquite problemas no fígado, estomago,
impaludismo (vírus) e febre. Também auxilia no controle ao diabetes, se
macerada a casca em água fria.
A Andiroba alivia vermes intestinais e febre quando sua casca é fervida e
o líquido é tomado. Se a casca for “curada” em água por um e forem bebidos 50
ml da mesma antes da refeição, não haverá problemas de digestão. Sua castanha
solta um óleo para massagear bebes com cólica, além de ser utilizado como
repelente de insetos e combustível de lamparina. A indústria cosmética e
farmacêutica tem enormes interesses nessa arvore. O chá da folha de abacate é
usado para conter infecções renais e urinarias.
Uma planta com seu uso ancestral,
por povos indígenas, é a Saracura. O pó de sua casca, quando diluído e
consumido em jejum serve para cansaço físico, perda de memória, insônia, e, com
sucesso, a malária. Esta última enfermidade ainda é bem comum lá, acompanhada
da leishmaniose, diabetes e hipertensão.
Isso acusa uma falta de medidas preventivas, o que também comentou um
médico cubano, contratado pelo programa do Governo Federal “Mais Médicos”, o
Dr. Lino, da Vila Acajatuba.
Os jovens deram visões diversas sobre essas plantas. Todos sabem do uso
de pelo menos meia dúzia. Além disso, nenhum duvida de sua eficácia. Porém
quando questionados se preferem pílulas ou plantas as opiniões são divididas.
Os defensores dos medicamentos sintéticos reclamam do gosto ruim do chá medicinal.
Já os defensores das plantas assumem o mesmo discurso de Dona Raimunda, de que
os sintéticos apenas aliviam os sintomas, mas não curam a doença, causando
ainda efeitos colaterais problemáticos.
No final da entrevista, Dona Raimunda mostrou sua pequena e prospera
horta para fins alimentícios e medicinais. E por que não para compartilhar?
“Aqui todo vizinho se ajuda sempre.” – disse a jovem Aline na saída da Vila.
Na sequência do estudo de campo a próxima comunidade estudada foi a do
povo indígena Cambeva. Lá foi entrevistado o professor da comunidade, Raimundo,
que confirmou a eficácia e a importância das plantas medicinais para a cultura
daquela população como um todo, para alimentação caça e até para a realização
de rituais.
Foi dito também que em caso de doenças, a primeira providência é o uso da
planta medicinal, mas se persistirem os sintomas medicações sintéticas são
consumidas e um médico é consultado.
“No final do quarto dia, quando íamos dormir na mata senti-me febril e
retornei ao barco. As cozinheiras e até parte da tripulação, ao perceberem meu
mal estar disseram que eu devia tomar um caldo de mingau, “o remédio
amazônico”, como diziam eles. Mingau, farinha de tapioca (ingrediente indígena)
e alho (trazido ao Brasil pelos europeus) foram os ingredientes que
identifiquei. De qualquer maneira não havia muito gosto. Não havia, também,
componentes medicinais – não que eu tenha notado, pois no dia seguinte tive de
ir ao hospital – mas as pessoas que me aconselharam a tomar o caldo acreditavam
veementemente que tal ato surtiria efeito no meu organismo doente.” – Guilherme
Esteves.
Este episódio foi descrito para exemplificar o misticismo que ronda a
questão da do uso das plantas medicinais pelas populações amazônicas. É certo
que algumas das plantas utilizadas por Dona Raimundo, por seu Manoel ou pelos
Cambebas ainda não foram analisadas em laboratório e podem não ter eficácia científica,
no entanto, o seu uso permanece presente no cotidiano desses ribeirinhos e
indígenas, pois estes realmente acreditam religiosamente que determinadas
plantas combatem certos sintomas. Há inclusive uma planta denominada Sara-tudo
cujo chá da folha cura a dor de cabeça, dor no corpo, resfriado, mal estar,
entre outros. É claro que a planta não possui tantos princípios ativos capazes
de “sarar tudo”, mas a crença na pratica intensifica a eficácia do uso.
Esse misticismo que se discute na questão da utilização destes
medicamentos naturais, acompanhado aos inúmeros e impressionantes relatos de
sua eficácia levantam suspeitas para o Efeito Placebo. Nele se estuda a relação
entre a crença no resultado de um remédio e seu real efeito.
Conclusão
O uso das plantas medicinais trata-se de uma tradição transmitida de
geração a geração, de valores que não condizem com o uso do remédio
industrializado. É um uso sustentado pelas crenças indígenas e caboclas, de
autossuficiência, em harmonia com o meio ambiente, sustentado pelo misticismo e
efeito placebo.
Para responder a segunda parte de nossa questão norteadora, acerca do uso
das plantas medicinais em grandes centros urbanos, foram pesquisadas diversas
fontes, mas principalmente o livro “Plantas medicinais no Brasil: nativas e
exóticas cultivadas” da H.A.R.R. I. Lorenzi e de F.J. Abreu Matos, do qual
pertencem as citações abaixo:
“Até o século XX, o Brasil era um país essencialmente rural, com amplo
uso da flora medicinal, tanto a nativa, quanto a introduzida. Com o início da
industrialização e subsequente urbanização do país, o conhecimento tradicional
passou a ser posto em segundo plano. O acesso aos medicamentos sintéticos e o
pouco cuidado com a comprovação das propriedades farmacológicas das plantas tornou
o conhecimento da flora medicinal sinônimo de atraso tecnológico e, muitas
vezes, charlatanismo. Essas tendências seguiram o que já acontecera em outros
países em processo de urbanização.”
“Um segundo aspecto que certamente contribuiu para o afastamento do
estudo das plantas medicinais e restante da ciência foi a ampla resistência
desta primeira às profundas alterações que tanto a sistemática vegetal quanto a
medicina experimentaram no final do século XIX e todo o século XX. Fortemente
baseado em trabalhos mais clássicos, o estudo das plantas medicinais mostrou
uma resistência inicial ao acompanhar as grandes revoluções cientificas
ocorridas nestes períodos. Essa inadequação inicial manteve a fitoterapia em um
período de obscurantismo, onde esteve mais próxima do misticismo do que da
ciência.”
Resultados
Destarte, é evidente que o uso das plantas medicinais trata-se de uma
tradição transmitida de geração em geração. As culturas indígena, europeia e
africana, e por sua vez, a cabocla são agentes fundamentais para a conservação
dos saberes fitoterápicos e, consequentemente, para a preservação da população
local. No entanto, o aumento do consumismo decorrente do processo de
urbanização dificulta a perpetuação destas práticas tradicionais. Por isso, deve-se
reconhecer e respeitar a importância não só medicinal, mas também antropológica
das plantas.
Referências
LORENZI, H.; MATOS, F.J.A. Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas cultivadas. Nova Odessa: Instituto Plantarum, 2002. p.484.
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