sábado, 11 de março de 2017

Descrição da visita técnica à alguns patrimônios históricos no centro de São Paulo

Descrição da visita técnica à alguns patrimônios históricos no centro de São Paulo

Tema: Memória, cidade e patrimônio histórico
22/10/2016

Marco Magli

          A visita técnica à alguns patrimônios históricos na região central de São Paulo levanta algumas questões interessantes sobre a utilização e, principalmente, a significação desses espaços. Esta visitação ocorreu no dia 21 de agosto (sábado), na Jornada do Patrimônio 2016 pelo período da manhã.
            O espaço histórico, voltado à memória, que visitamos em nossa rota foi o Pateo do Collegio. Este é o local mais antigo da cidade de São Paulo, onde instalou-se a sede do colégio Jesuíta em 1554. Entretanto, ao longo de mais de 400 anos de existência teve outras utilidades importantes para a cidade, como por exemplo, foi sede do governo de São Paulo do século XVIII ao XIX.
            Na praça em frente à construção, é possível ver a grande escultura de cerca de 25 metros, de granito e bronze, chamada “Glória imortal aos fundadores de São Paulo”, de Amadeo Zani. Não há nenhuma informação aparente ou ressaltada aos olhos do transeunte que possa contextualizar aquela obra de arte. Poderia ser colocado um adesivo com fundo transparente e pequenos textos mostrando o histórico da escultura, seu escultor e da própria praça, que só recebe esta função em 1891. Além disso, é deixada de lado a sobreposição de tempos que está escancarada na praça, pois as casas de estilo neoclássico e eclético que hoje fazem parte da Secretaria de Justiça Municipal, ao lado do antigo Collegio. Essas construções também não têm nenhuma explicação ou contextualização aparente.
No Collegio fomos recebidos por um guia que apenas abriu o portão para nós e nos explicou as normas de comportamento do público para a visitação. O local, que é gerido por uma administração própria sob direção do padre jesuíta Carlos Alberto Contieri, guarda aspectos interessantes e pedaços esquecidos nele. Um aspecto interessante é uma espécie de aquário de vidro que, dentro dele, estão expostas as paredes de vários períodos diversos, o que mostra a sobreposição temporal do espaço. Além disso, há algumas lamparinas a gás que funcionam, o que é de fato interessante para o visitante.
Porém, no canto da parte externa há uma escultura muito caricata e inverossímil de um indígena ao lado de enormes cestos de lixo, um posicionamento que o visitante não consegue saber se o objeto faz parte do acervo. O local pode ser visitado em menos de 45 minutos, fazendo a rota completa, que inclui o Museu Padre Anchieta e a Capela homônima.
Em suma, o Pateo do Collegio é bem preservado, mas mal explicado e expostos ao visitante. Ele ignora completamente as outras funções que o espaço teve além de marco fundador de São Paulo. Tanto fora quanto dentro da construção o acervo é carente de explicações e indicações ao visitante da história daquele espaço.
Em seguida visitamos o Solar da Marquesa de Santos, na antiga Rua do Carmo, 3, hoje Rua Roberto Simonsen, 136-A. O espaço novamente é extremamente bem conservado em sua aparência exterior. O local foi, mesmo surgindo muito tempo depois do Pateo do Collegio, teve talvez mais funções ao longo da história. Foi o Solar da Marquesa de Santos, casa do bispo de São Paulo e sede da companhia de gás da cidade.
Novamente é possível ver que no espaço é privilegiado uma função história, no caso o Solar, e os outros momentos e usos do local são completamente ignorados. A casa por dentro é interessante, mas sua montagem e a colocação de suas peças não impacta e nada explica ou propõe ao visitante. Isso pois seus móveis não estão mais lá, os poucos objetos expostos ficam num canto, com explicações para cada peça, mas o espaço interior é quase vazio, perdendo o aspecto de casa e a noção ao visitante de algum dos seus antigos empregos.
A visita foi guiada por duas estudantes de História preparadas que faziam parte da Jornada do Patrimônio. O espaço tinha fotografias interessantes de São Paulo antigamente, embora simplesmente “jogadas” no enorme espaço vazio que há no piso térreo. Além das fotos há um antigo túnel que foi explorado por arqueólogos e hoje guarda um aspecto interessante ao visitante, embora não haja sinalizações explicativas de seu uso. No andar superior a arquitetura é o mais interessante na casa, pois é possível ver a sacada e sentir/ ver a vista da rua que está bem preservada e observar os detalhes do teto.
Infelizmente o local não mostra ao visitante a passagem do tempo naquele local, o que deveria ser mais explorado. Seria muito interessante se fosse possível mostras as várias funções que a casa teve ao longo do tempo no mesmo espaço, sempre indicando para não causar confusões no visitante. O local, na forma que está sendo utilizado quase se reduz a um espaço de exposição e não histórico. Além disso não há nenhuma referência de quem foi a Marquesa de Santos, qual a sua importância e a localização de seus cômodos.
Ao lado do Solar da Marquesa há o Beco do Pinto e a Casa da Imagem, muito bem conservados por fora, com cores bonitas das tintas das paredes que retomam um estilo neoclássico. A Casa da Imagem é talvez o local mais interessante na viagem para se discutir a as sobreposições de camadas históricas em São Paulo. O local teve as mais diversas funções e usos, como casa de bandeirantes, sertanistas, um padre, um colégio, uma casa de banhos, um hotel, entre outro. Porém, seria impossível mostrar todos esses usos, por falta de espaço e acervo. Portanto, percebe-se que não é privilegiado nenhum dos usos e tempos do local e sim assume-se uma nova utilidade.
A casa tem o papel de ser um acervo iconográfico, com fotos, quadros e objetos arqueológicos encontrados no local e no beco ao lado, facilitando pesquisa, preservação e exposição. O local faz parte de uma das 13 edificações históricas do Museu da Cidade de São Paulo. Lá pode-se tirar fotos sem flash, o que é uma permissão que agrada boa parte dos visitantes e não danifica o acervo. As obras são bem sinalizadas tanto dentro quanto fora do local. Além de ter banheiros com acessibilidade e bebedouros disponíveis aos visitantes.
O que podia ser melhorado é o Beco do Pinto, ao lado, que é administrado pela Casa da Imagem. Ele foi uma passagem importante da várzea do rio Tamanduateí ao largo da Sé, embora tenha sido fechado e reaberto várias vezes. Em 1979 foi escavado o que rendeu o acervo arqueológico exposto ao lado. Hoje, porém, não tem mais a função de passagem, nem qualquer explicação de sua história, e está servindo como local de exposição de obras de arte contemporânea mal sinalizadas, que não tem função explicativa histórica e acaba por descontextualizar todo o ambiente.
O próximo ponto foi o Mosteiro de São Bento, mas antes de chegarmos lá passamos por pontos importantes da história da cidade. Um deles foi o prédio da Caixa Cultural. Apenas observamos por fora este edifício que fica na Rua São Bento, que tem uma arquitetura típica do fascismo italiano, com traços claros do futurismo, como colunas e esguias dando noção de velocidade, progresso e grandiosidade, além de letras romanas e cores negra e dourado em evidência. O interessante desse local é justamente a arquitetura, que marca a passagem desse tempo e desse estilo pelo centro de São Paulo. Após isso tentamos visitar o edifício Martinelli que também tem enorme importância arquitetônica mas estava fechado.
O Mosteiro de São bento é muito belo e interessante, bem preservado não só por fora mas também por dentro devido ao seu constante uso. Foi construído no início do século XX e teve outros usos além do religioso, foi inclusive o primeiro curso de filosofia de Brasil pela PUC em 1908. Sua arquitetura é eclética e se parece com uma catedral alemã genérica talvez devido ao seu arquiteto, Richard Berndl, que era alemão.
O espaço ainda tem muitas funções, tanto a acadêmica, como a religiosa, aliás recebeu o papa Bento XVI e, para isso foi reformada em 2008. Isso também significa, que ela é administrada por diferentes instituições como a faculdade São Bento e os padres do mosteiro.
A arquitetura e os detalhes internos do local são interessantes, porém é necessário uma sabedoria previa de semiótica religiosa para entender a história contada por cada canto daquele espaço, no nosso caso dado pelo colega Flávio, que estudou a fé católica por muito tempo. Com ele pude entender que o dourado e figuras tropicais representavam um teor bizantino na igreja. Mas, não é possível sempre cobrar certo tipo de sinalização ou explicação dentro de um local religioso, embora para leigos e até fieis fosse mais explicativo assim. A visita no mosteiro não é permitida pois os religiosos vivem enclausurados lá. Mas a Igreja é de fato um local surpreendente da cidade e por mim até então ignorado, mas com uma visita e um pouco de pesquisa descobre-se que é um marco histórico fundamental da cidade.
Destarte, a visita ao centro mostra que temos um potencial muito grande de preservação, com um acervo interessante, obras e estruturas bem conservadas e muita história aglomerada neste pequeno espaço da cidade. O desafio ao museólogo, historiador ou arqueólogo é organizar essas camadas de tempos, funções, sujeitos, intencionalidades no espaço. Enfim, a visita é interessante, não só para se deparar com a historicidade do tempo/espaço, mas também para não deixar de notar a falta preocupação de muitas instituições, públicas e privadas, em informar o cidadão que quer conhecer as histórias da cidade onde mora.

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