sábado, 11 de março de 2017


Resenha do livro “A Idade Média: Nascimento do Ocidente”, de Hilário Franco Júnior

por Marco Magli

“A Idade Média: Nascimento do Ocidente” (Brasiliense, 208 páginas, 61 reais), de Hilário Franco Júnior é uma obra que mesmo que sucinta e sem uma linguagem academicista, consegue aprofundar-se em diversos eixos temáticos da Idade Média, não só serve de apresentação desse período histórico, mas também abre caminho para a reflexões fundamentais. Franco Júnior é professor de História Medieval na USP e pós doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, com Jacques Le Goff. Além da obra em questão, analisada nesta resenha, o autor medievalista tem outras obras que são notáveis em sua carreira, como “As Cruzadas” (São Paulo, Brasiliense, 1981), “Os três dedos de Adão” (São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2010) e “O ano 1000: Tempo de medo ou de esperança?” (São Paulo, Companhia das Letras, 1999).

A leitura deste livro é apresentada pelo prefácio e pela introdução, pedaços importantes em que o autor consegue dialogar diretamente com o leitor. O prefácio faz exatamente essa função em que Franco Júnior explica ao leitor algumas escolhas que ele fez no processo de produção dessa obra, como o número de páginas e a organização dos índices e imagens. Nesta parte o autor também analisa o crescimento do interesse público com temas medievais no Brasil, e considera que “medievalismo se tornou uma espécie de carro-chefe da historiografia contemporânea, ao propor temas, experimentar métodos, rever conceitos, dialogar intimamente com outras ciências humanas.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 13). É no prefácio também que Franco Júnior esclarece que a obra a seguir não seguirá uma tradicional ordem cronológica, mas sim cada capítulo, que dizem respeito aos grandes eixos da Idade Média, terá sua ordem cronológica própria.

Na introdução o autor traz um panorama mais geral da Idade Média para contextualizar o leitor. Discussões básicas, mas complexas e importantes são colocadas nesta parte do texto, como a de quando começa e termina a Idade Média, sempre com Franco Júnior apresentando mais que uma só resposta. Além disso a introdução é interessantíssima, pois o autor tem a preocupação em mostrar como a Idade Média foi vista e ressignificada em diversos momentos da história mundial, como no Iluminismo, no século XX ou para os românticos. Como o autor expressa bem no excerto “(...) a Idade Média permanecia incompreendida. Ela ainda oscilava entre o pessimismo renascentista/iluminista e a exaltação romântica.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 12). Assim o autor já dá uma ideia de como a Idade Média é um grande objeto de curiosidade humana.

O primeiro capítulo aborda as “Estruturas demográficas”, ou seja, trata sobre as populações em diversos aspectos sob um viés quantitativo, em que o autor começa mostrando como essa área de estudo é recente, porém é fundamental para se fazer análises. Franco Júnior tipifica a Idade Média no chamado “Antigo Regime Demográfico, típico das sociedades agrárias, pré-industriais: alta taxa de natalidade e alta taxa de mortalidade.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 21). Mas o autor não se atém somente a essa explicação generalizada desse período complexo de cerca de 1000 anos.

A Primeira Idade Média, referida pelo autor do século IV ao VIII, é um período em que a organização demográfica de Europa se relaciona com o desmanche da sociedade romana e se aparelho estatal, provocando mudanças na produção e abastecimento alimentício, agora espalhando-se cada vez mais pelo continente, na qual cada região passava a produzir. Assim, as regiões desintegradas ficam mais suscetíveis à pestes e más colheitas, e consequentemente ao aumento da mortalidade. O autor indica um movimento circular entre a produção e a demografia expresso no trecho: “(...) a fraqueza demográfica engendrava a fraqueza dos rendimentos e esta por sua vez engendrava a fraqueza demográfica, reforçando assim a causa da pobreza.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 22). Todos esses fatores somam-se às pestes que atacaram nesta época, como a malária, a varíola e a “mortífera peste”.

A Alta Idade Média (séc. XIII – X) é um período de recuperação demográfica desigual, pois partes da Europa ainda viviam a fome. Mas diversos fatores, desde ineficiência da expansão Carolíngia, os métodos contraceptivos e abortivos, o sacrifício de bebês do sexo feminino (pois seriam “menos produtivas” nos campos) até as devastadoras invasões muçulmanas e vikings foram fundamentais para que esse crescimento populacional pudesse ser classificado como “tímido” para o autor.
        
    Na Idade Média Central (séc. XI – XIII) o autor descreve uma certa expansão demográfica, que embora mal documentada, é explorada e alguns motivos principais dessa expansão são destacados pelo autor. O primeiro é um acentuado movimento de migração, o qual Franco Junior justifica usando uma citação de Jacques Le Goff: “a mobilidade dos homens da Idade Média foi extrema e desconcertante”. Isso pois a propriedade era quase desconhecida na Idade Média.
     
        O segundo motivo dessa “expansão” é uma quantidade significativa de arroteamentos, que de acordo com o Dicionário Priberam significa ”1. Desmoitar a terra do mato para cultivá-la. 2. Desbravar”, processo que foi estimulado no século X, mas ganhou verdadeiro impulso no século XII.

Mais um dos motivos da ascensão demográfica neste período é apontado pelo autor: “Outra indicação da expansão demográfica do Ocidente cristão está no acentuado crescimento da população urbana naquele período.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 27). As cidades da Península Itálica, como Genova e Veneza, são apontadas como expoentes da urbanização e tinham populações que devem ter ultrapassado os 100.000 habitantes.

Para reforçar sala argumentação sobre o deslocamento populacional na Europa Ocidental na Idade Média o autor, não se sustenta apenas com palavras, mas apresenta ao leitor tabelas e mapas. Isso sustenta também a ideia do autor exposta no prefácio de que o medievalismo é uma aérea da historiografia que dialoga com outros campos de conhecimento.

Franco Júnior explica a queda populacional da Baixa Idade Média (séc. XIV – XVI) por um fator bastante conhecido e explorado pelos historiadores: a peste negra. Segundo suas pesquisas estima-se que “(...) a Europa ocidental perdeu cerca de 30% de seus habitantes naquela ocasião, e só retomaria o nível populacional pré-peste 200 anos depois, em meados do século XVI.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 37).

Adiante o autor apresenta um capítulo chave para a compreensão de qualquer sociedade, inclusive a medieval. Nesta parte Franco Júnior discute acerca da economia destes períodos.

Inicia-se esta parte com um debate sobre a falta de dados numéricos em que há no período medieval, mas o autor reflete que a própria “falta de dados numéricos” é uma informação que não deve ser desprezada pelo historiador quando coloca que “Entendeu-se que a limitação das fontes econômicas medievais não era mero incidente, mas fato que traduzia o espírito da época, mais preso a imagens, palavras e gestos do que a números.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 39).

Dos séculos IV ao X é caracterizado na obra como “Escassez Endêmica”, expressão de Renée Doehaerd, na qual a produtividade era tão reduzida que o mercado se movimentava de forma extremamente lenta e limitada. Com essa produção escassa diminui a possibilidade de bens de consumo e retrai o comércio.

Em seguida o autor discorre sobre os tipos do principal meio de produção da época: as terras. Existiam tipos diferentes de terras como a terra indominicata, explorada diretamente pelo senhor, que se difere dos mansos, uma pequena unidade produtiva camponesa. Essas terras eram fundamentais na economia, explica o autor, pois o camponês trabalhava para o senhor, relação chamada de corveia, e dessa forma, recebia seu manso. Ainda sobre o setor primário, é apresentado o “sistema trienal” de cultivo, baseado no revezamento de espécies cultivadas na mesma terra, um grande avanço tecnológico que permitia maior produtividade.

O comércio e a manufatura eram partes menos importantes na cadeia produtiva medieval, por isso estavam fadados a ter menos mão-de-bra que a agricultura. O segundo setor se restringia ao artesanato, rural ou urbano, que aparece no século VIII e o terceiro setor está limitado ao comércio, que estava fortemente atrelado às relações com regiões, como o contato com os muçulmanos.

Cronologicamente o autor decorre o tema sobre as estruturas econômicas até um período que vale destaque em que é apresentado o “pré-capitalismo medieval”. O período medieval foi um período de expansão econômica e tecnológica, e por isso muitos tentam argumentar sobre um “capitalismo medieval” o qual o autor considera “Expressão, no mínimo, problemática. Contudo, adotando-se uma definição ampla de capitalismo — por exemplo, sistema econômico centrado na posse privada de capital (mercadorias, máquinas, terras, dinheiro, conhecimento técnico) empregado de maneira a se reproduzir continuamente, ficando os desprovidos dele obrigados a vender sua força de trabalho — poderíamos talvez aceitar sua existência nos últimos séculos da Idade Média.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 58).

Para o autor o termo pré-capitalismo seja mais interessante, pois faltava uma estrutura política que privilegiasse a “classe capitalista”, ademais a mentalidade da época “colocava barreiras a típicas atitudes capitalistas”, segundo o autor.

A crise da Baixa Idade Média é mostrada por Franco Júnior como um objeto de debates recentes na historiografia para tentar encontrar um “fator principal”. A agricultura não mostrava taxas de crescimento, prejudicando toda a sociedade, como o setor terciário, que viu suas margens de lucro reduzidas. Em suma “(...) o século XIV e a primeira metade do século XV foram uma fase de crise conjuntural, que provocaria, porém, abalos estruturais. Dela sairia a economia moderna.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 62).

Em seguida, o autor mostra-se preocupado no debate sobre como imaginário está ligado à política. O autor inicia esta parte fazendo referências a historiadores medievalistas modernos que também compartilhavam dessa preocupação, como Marc Bloch e Le Goff.

Franco Júnior inicialmente aponta para o desenvolvimento da ideia de, país, pátria, Estado e, principalmente, nação, de acordo com ele “O princípio jurídico romano da territorialidade das leis, ou seja, a submissão aos costumes locais, qualquer que fosse a origem da pessoa, reganharia força aos poucos, sobretudo a partir do século XII. Somente então “nação” passou a ter caráter também geográfico e político.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 65).

Cronologicamente, o autor mostra o início da época medieval como um período de fragmentação dos territórios, e por conseguinte, de uma unidade ou estrutura política. Isso por conta das invasões de outros “povos bárbaros” que quebraram a unidade romana.

Já no Período Carolíngio Franco Júnior tenta expor a tentativa de criação de unidade política e encontrar os motivos de seu fracasso, com no excerto: ‘O que explica esse fracasso do Império Carolíngio e portanto a passagem, mais uma vez, para a pluralidade política? Em primeiro lugar, o fato de o Império não ter unidade orgânica, assentando-se sobre dois princípios contraditórios: o universalismo das tradições romana e cristã e o particularismo tribal germânico.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 72).

O autor discorre sobre os poderes universais e nacionais. O primeiro, explica as relações de Carlos Magno com a Igreja e os motivos que levaram a sua coroação. O segundo o autor trata dos diferentes povos com seus costumes tradicionais, como o contratualismo germânico e aponta para o surgimento de particularidades nacionais, como idiomas.

O autor apresenta por fim a surgimento do absolutismo na Europa, com os estados nacionais já unificados. Mesmo assim, o autor não abandona o quesito feudal da Baixa Idade Média, mas atribui grande importância ao surgimento do nacionalismo, como no trecho:’ Na perspectiva desta, as guerras monárquicas poderiam ser o caminho para restabelecer seu poder e controlar o próprio Estado. Deste duplo ponto de vista, a Guerra dos Cem Anos foi também o grande conflito feudal da Idade Média.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 88).

O próprio Franco Júnior apresenta de forma sublime o que tratará no capítulo futuro traçando quase uma linha do tempo: “Num primeiro momento, a organização da hierarquia eclesiástica visava à consolidação da recente vitória do cristianismo. A seguir, a aproximação com os poderes políticos garantiu à Igreja maiores possibilidades de atuação. Em uma terceira fase, o corpo eclesiástico separou-se completamente da sociedade laica e procurou dirigi-la, buscando desde fins do século XI erigir uma teocracia que esteve em via de se concretizar em princípios do século XIII. Contudo, por fim, as transformações que a Cristandade* conhecera ao longo desse tempo inviabilizaram o projeto papal e prepararam sua maior crise, a Reforma Protestante do século XVI.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 89).

Primeiramente o autor se debruça sobre a consolidação hierárquica na Igreja. Com isso também são exploradas novas regras que aparecem dentro da Igreja de acordo com a passagem do tempo, como celibato, que não era obrigatório aos clérigos. O autor ainda mostra que esses novos arranjos na Igreja se deram por conta de dificuldades encontradas pela mesma, como monitorar o paganismo e espalhar a mensagem divina. Paradoxalmente, o autor apresenta as heresias como fundamentais para desenvolver e consolidar uma hierarquia eclesiástica. Isso pois tudo aquilo que pudesse ser considerado herético era levado aos bispos e assim por diante aos seus superiores.

Na Alta Idade Média o autor tenta novamente explicar as relações de Carlos Magno, que se considerava o verdadeiro defensor da cristandade, e a Igreja. Franco Junior novamente encontra palavras para sintetizar essa passagem, quando a descreve como “uma sociedade onde o papa ocupou, primeiro, o lugar de sócio menor, depois de igual, pretendendo, por fim, a direção suprema” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 95).

A igreja passa a ser autônoma e, sobretudo, protagonista na sociedade a partir da Idade Média Central. As ideias do Mosteiro de Cluny, onde os monges viviam sob silencio e isolamento serviram para superar problemas desenvolvidos no Império Carolíngio, como a violência ligada à terra por meio de abusos dos cavaleiros. A Igreja conseguia por meio desse período centralizar não só o poder religioso mas boa parte do poder político estava em suas mãos.
A Baixa Idade Média foi uma época crítica para a Igreja. Franco Júnior diagnostica que “A crise do pontificado e o desenvolvimento do nacionalismo, fenômenos aliás interligados, desenvolviam o sentimento de autonomia eclesiástica em diversos locais.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 110). Isso é a razão de certa descentralização política, mas também eclesiástica da Igreja.
          
         Mesmo com esses problemas conjunturais a crise estrutural da Igreja ainda estava para acontecer, como explica o autor “Grandes problemas permaneciam, opondo concilio e papa, Igreja e monarquias, Estado Pontifício e Estados italianos, cultura cristã tradicional e nova cultura humanista. Assim, em 1517, exatamente 100 anos depois da volta do papado a Roma, começava o Protestantismo.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 111).

Quanto à estrutura social, o autor mostra que na Primeira Idade média, havia um sentimento de honra às tradições greco-latinas, período caracterizado como uma “idade da restauração”. Dessa forma, o topo da pirâmide social era ocupado por uma aristocracia senatorial. Já na Alta Idade Média Franco Júnior se preocupa com um processo de aristocratização, ou seja, o surgimento de grandes detentores de terra, e consequentemente um poder econômico e político. O autor explica também a sociedade de ordens, na qual havia o clero, a nobreza e os “cidadãos”.

A passagem dessa sociedade de ordens para uma estamental se dá na Baixa Idade Média, assim “(...) o organismo social tornou-se determinável pelos próprios indivíduos.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 132). Nesse período o autor introduz o surgimento de “classes” já dentro do terceiro estado, o movimento migratório de êxodo rural e as revoltas urbanas.

O tema da cultura medieval é abordado, porém quando isso ocorre pode surgir um problema da definição do objeto de estudo em questão, para evita isso o autor já coloca “Para tanto, entenderemos cultura como tudo aquilo que o homem encontra fora da natureza ao nascer. Tudo que foi criado, consciente e inconscientemente, para se relacionar com outros homens (idiomas, instituições, normas), com o meio físico (vestes, moradias, ferramentas), com o mundo extra-humano (orações, rituais, símbolos).” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 138).

O autor coloca de um lado a cultura clerical, como uma cultura mais reconhecida pelos letrados, e a cultura “vulgar”, tão importante quanto, e que é preservada pela tradição oral dos povos, como as canções e certas festas. Outro ponto de reflexão do autor é o surgimento dos idiomas no século VIII principalmente, muitos deles línguas “românticas”, ou seja derivados de Roma, do latim.

Franco Junior surpreende historiograficamente quanto ao fim aborda temas como o cotidiano e a mentalidade na Idade Média, pois são campos ainda recentes. Dessa forma ele, mais uma vez comprova a interdisciplinaridade do medievalismo, sua versatilidade e profundidade.

Quanto ao cotidiano da Idade Média o autor se preocupa em traçar uma comparação quanto à contagem do tempo em diferentes partes da Europa. Ele mostra a influência do latim na nomenclatura dos dias da semana, além da contagem dos anos.

É tratado o tema do sexo na Idade Média como uma sociedade com a moral fixada nos valores da Igreja. Porém “(...) essa interferência eclesiástica na vida íntima dos fiéis não foi aceita com facilidade. Quanto mais recuados no tempo e mais afastados dos grandes centros clericais (sedes de bispado, mosteiros), mais os medievos puderam viver de forma “pagã”, no dizer da Igreja. Os camponeses, em especial, superficialmente cristianizados até fins da Idade Média em várias regiões, quase sempre escapavam àquele controle.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 173). Além disso o autor exemplifica alguns tipos de vestuários, moradias e práticas de lazer antes de tratar da mentalidade medieval.

Como já exposto a História das Mentalidades é um tema recente e de muitas discussões até quanto ao seu significado e abrangência. Franco Júnior para destacar seu objeto coloca que esta história “situa-se no ponto de junção do individual e do coletivo, do longo tempo e do cotidiano, do inconsciente e do intelectual, do estrutural e do conjuntural, do marginal e do geral. [Seu] nível é aquele do cotidiano e do automático, é o que escapa aos sujeitos particulares da História, porque revelador do conteúdo impessoal de seu pensamento(...)”. (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 190).

O autor perpassa por diversos temas como ele mesmo explica “O primeiro deles a ser analisado é a visão sobrenatural que se tinha do universo. Depois o simbolismo, a única linguagem possível para aquela leitura do universo. A seguir, o belicismo, o sentimento de que tudo e todos participam da luta cosmológica entre as forças do Bem e do Mal. Por fim, o contratualismo, as formas de relação com um ou outro daqueles partidos do mundo extra-humano.”.

Essa visão sobrenatural deve-se muito à escatologia bíblica representada por muitos pensadores medievais, como Raul Glaber. Quanto ao simbolismo o autor argumenta que “Naquele mundo no qual todas as coisas eram passíveis de ser vistas como hierofanias, isto é, como algo a mais do que pareciam à primeira vista, uma cosmologia simbólica impunha-se com naturalidade.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 198). Por fim, o contratualismo era “estrutura mental que via o homem ligado, com os correspondentes direitos e deveres, a uma ou outra daquelas forças universais em luta.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 208).

Ao fim da obra o autor retoma a discussão travada no início sobre o significado da Idade Média. Franco Júnior mostra como diversas épocas lidaram com a idade média, desde sua influência no século XX até suas heranças no Brasil, como na literatura de cordel.

Ao fim o autor traz uma conclusão de que a Idade Média é, na verdade, o nascimento do Ocidente autor compara o ser-humano atual ao medieval: “O medievo se sentia impotente diante da natureza, mas convivia bem com ela. O ocidental de hoje se sente a ponto de dominar a natureza, por isso se exclui dela. A fraqueza do homem medieval era sua força, pois gerava desejos, motivações. A força do homem atual é sua fraqueza, pois gera desilusões. Na verdade, foi conseguindo ao longo dos séculos satisfazer aqueles desejos que o homem chegou à situação atual.” (FRANCO JÚNIOR, 2001, pg. 237). Não só vários conceitos, práticas, idiomas, tecnologias e pensamentos surgiram na Idade Média, mas o Homem moderno teve seu nascimento no seio medieval.
            
           Ao fim o autor ainda disponibiliza ao leitor uma série de orientações para uma pesquisa, além de um glossário, quadros comparativos e cronologias. Assim, a obra “A Idade Média: Nascimento do Ocidente” se encontra completa.
            
            Destarte, é preciso destacar a capacidade de síntese do autor nessa obra. São cerca de 1000 anos, complexos e heterogêneos, compilados em pouco menos de 300 páginas, nas quais não faltam referências, exemplos e explicações. O livro tem uma linguagem didática e deve interessar qualquer professor do ensino básico para mostrar algumas passagens para seus alunos, aumentando o leque de exemplos e vozes na sala de aula. Para o estudante de História em graduação a leitura dessa obra é essencial, pois ela explicita aspectos abrangentes sobre a Idade Média. Já para um estudante de especialização a obra possa parecer um tanto quanto genérica e geral, como já avisa o autor na obra. Mas o autor, mesmo assim coloca bibliografias sugeridas a cada capítulo, para aqueles que precisem se aprofundar no debate.
            
          Além do mais, o didatismo se faz presente em quase todos os capítulos por meio de mapas, tabelas ou imagens. Esse material é um rico complemento à leitura e também confere ao livro uma pluralidade linguística, não só se baseando na argumentação textual.
            
     Quanto à organização do livro cabe outro elogio: o recorte temático do autor é extremamente eficaz para a compreensão do período medieval. Muitos historiadores discutem entre a história temática e cronológica, entretanto Franco Júnior consegue destacar temas chave e dentro destes assuntos, destrincha-los cronologicamente, não se opondo a nenhuma das duas vertentes, mas mesclando-as.

Em suma, essa obra de Hilário Franco Júnior corresponde a um excelente exercício de compreensão da Idade Média, assim como de compreensão da historiografia atual. Essa é uma leitura que não é saudosista nem menospreza a Idade Média, mas sim a contextualiza e a explica para que pessoas de hoje entendam o presente a partir do passado. 

Bibliografia:

FRANCO JÚNIOR, H. . A Idade Média, nascimento do Ocidente. 5a. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. 201 p.[1]

ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo. Trad. TelmaCosta. Ed. 3º. Porto: Afrontamento, 1989.

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