PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS
A CASA DO REGENTE FEIJÓ
Marco Magli (RA00180650)
Prof. Dr. Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
PATRIMÔNIO CULTURAL PAULISTA
SÃO PAULO – SP
2017
A Casa do Capão ou Casa do Regente Feijó é um patrimônio histórico que diz muito, sobre São Paulo, sua relação com tempo, seus períodos de diferentes bases econômicas e inclusive a própria noção de preservação em seu percurso histórico. A construção em si, em seu aspecto arquitetônico representa um estilo, que ainda de aparência superficial colonial, apresenta, na verdade, uma sutil estilística do ecletismo.
Primeiramente, é importante situar a casa espacialmente. Embora o imóvel tenha permanecido imóvel desde sua construção, seu entorno o fez viajar na dimensão temporal, afetando a paisagem e o espaço. Hoje ele foi colocado entre as ruas Professor João de Oliveira Torres, Antônio Alves Barril, José Oscar Abreu Sampaio e a Avenida Regente Feijó. Em meio aos grandes prédios do Jardim Anália Franco é difícil perceber, mas o sítio está situado próximo aos Rios Tatuapé e Aricanduva.
É importante explicar como essa localização foi pensada para que a casa se adequasse ao movimento econômico de São Paulo. Se os rios fossem seguidos nas direções contrarias de seus fluxos, pelas margens, ou em tempos de fraca correnteza, seria o caminho mais íngreme, porém mais curto para descer a Serra do Mar. Esta via passava pela Capela do Pilar, Ribeirão Pires, Rio Grande e Paranapiacaba. Perto desses dois rios era também possível seguir o leito do Tamanduateí até a Calçada de Lorena, no final do século XVII.
A escolha de um local perto de rios facilitava em algumas tarefas domesticas, como cozinhar e lavar-se, como lembra Carlos Lemos: “[...] a falta de água encanada contribuiu para a dispersão das atividades higiênicas em locais improvisados [...]” (LEMOS, 1976, pp. 36)
Os dois córregos que passam perto da residência são afluentes do Rio Tietê, que era uma via frequentemente utilizada para viajar em direção Oeste e adentrar o interior. As Casas Bandeiristas não são necessariamente relacionadas a atividade do bandeirismo, mas também à sua época e estética, contudo a Casa do Capão foi propriedade de um explorador do interior da capitania de São Vicente, chamado Francisco Rodrigues Velho.
Francisco Velho participou das entradas no século XVII. Segundo o historiador Pedro Abarca, pesquisador da história do bairro, em entrevista à Revista Tatuapé: “Naquela época, toda aquela região era conhecida como Capão Grande. Era uma gleba enorme, só de mato. Então, é difícil saber exatamente quem passou por ela. Mas há documentos do final do século 17 que apontam o filho de Francisco Velho como proprietário. Depois disso, o local começou a ser fragmentado, dividido em lotes menores, como é normal acontecer.”.
Os primeiros registros dessa casa datam de 1698. A casa nesse período, e não há registros ilustrativos, nem documentos diretamente descritivos, mas sabe-se que a primeira estrutura da casa data-se no século XVII. Esta casa, antes de ter sido inúmeras vezes reformada e modificada estruturalmente, seguia o modelo da casa Bandeirista, estudada por Luís Saia, por exemplo. Havia um alpendre entre um quarto de hóspedes e uma capela. Depois dessa área na fachada a casa desenvolvia-se em uma planta quadrada 324m².
Contudo, há também uma senzala e uma estribaria que remontam outro período dessa construção. Durante o século XVIII, a propriedade ficou com o filho de Francisco Velho. Provavelmente a senzala é de meados deste século, pois contém um alicerce, ainda que rudimentar de pedra, o que é uma técnica típica dos torna-viagens, que vieram das Minas Gerais para São Paulo neste século. Isso também se encaixa em um período em que a economia da província de São Paulo já estava dinamizada, com um forte setor de comerciantes.
Essa casa estava há aproximadamente 10 quilômetros da “cidade” de São Paulo na época. Francisco Velho era homem de algumas posses, aliás a casa fora herdada por seu filho. Segundo, Luís Saia, arquiteto e historiador da arquitetura que elaborou sobre o conceito de Casa Bandeirista:
“Os restos de habitações das classes dirigentes paulistas do século XVII e começo do século XVIII são o testemunho cabal desse estilo de sociedade paulista. Mesmo as habitações daqueles homens que exerciam importantes cargos na direção na governança da terra estavam localizados em postos afastados da ‘cidade’.” (SAIA, 1995, pg. 31)
No entorno da casa é possível ver, além da área construída, um espaço externo, com um gramado a frente da casa e da senzala e um Bosque Heterogêneo de Mata Atlântica que, é uma área que mistura espécies nativas da região com espécies de árvores exóticas, introduzidas de outros locais.
A casa leva hoje o nome do padre e político liberal Diogo Antônio Feijó. Ele foi um padre paulista, um dos fundadores do Partido Liberal, deputado da Assembleia Geral da Província de São Paulo, Ministro da Justiça e Regente do Império. Quando comprou a propriedade, em 1827, e mudou o nome do antigo Sitio Capão do Tatuapé para “Paraíso”, Feijó exercia o cargo legislador em São Paulo, porém no período em que assumiu a Regência passou a visitar muito pouco a casa e a viver no Rio de Janeiro. Feijó também foi proprietário de escravos quando mais jovem.
No final do século XIX a casa passa a pertencer ao Coronel Serafim Leme da Silva, que foi juiz de paz da Sé, deputado, comissário de café, pecuarista e fundador da Empresa Frigorífica Paulista.
Foi, justamente durante a segunda metade século XIX que o sítio recebeu as reformas que mais mudaram o estilo colonial, anteriormente presente. O alpendre, por exemplo, deixou de existir, pois foi construído um segundo andar na casa, o que também retirou o telhado de quatro águas. Também foram colocados lambrequins de madeira da fachada, tijolos de alvenaria inglesa e também estilo “achalesado” do novo pavimento.
Em 1911 a propriedade foi comprada pela Associação Feminina Beneficente e Instrutiva para ser a sede da “Colônia Regeneradora D. Romualdo Seixas”, uma das instituições de Anália Franco. As estruturas da casa não foram muito alteradas desde então, mas na época algumas modificações foram feitas quando essa casa tornou-se um orfanato. A senzala, estribaria e outras estruturas que haviam perdido seu uso original tornaram se dormitórios e salas de aula. Nos anos 1930, no mesmo terro a instituição construiu outro prédio, que lembra alguns aspectos estéticos da casa.
Ao final dos anos 1990, a Associação mudou-se para Itapetininga e a Universidade Cruzeiro do Sul comprou a propriedade. Hoje a casa se encontra dentro do campus Anália Franco, porém está fechada para o público por conta de depredações que a universidade alega.
Destarte, a Casa do Capão é um patrimônio muito interessante, com uma história de proprietários diversos, que infelizmente se foca apenas no Regente Feijó. Entretanto, se olharmos para a casa pelo viés da “longa duração”, das continuidades, é possível observar como a arquitetura doméstica se adapta às necessidades de seus moradores, suas épocas e atividades.
Galeria de Fotos:
1 – Nota-se na fachada que o telhado foi “recortado” e o Segundo pavimento foi erguido, logo acima do espaço que seria o alpendre, na frente da casa. Também é possível observar os lambrequins de madeira no telhado, mostrando traços ecléticos.
2- Adaptação das dependências da casa em dormitório para os atendidos, durante o século XX.
3- Vista aérea da casa. Possível de se observar o espaço externo, bem como a localização da casa no centro e as dependências aos lados.
4 – Vista diagonal da Casa do Capão. É possível ver a senzala e seu alicerce de pedra, bem como o “chalé” lateralmente.
Blibliografia:
- MARTINS, Italo Monteiro. Renovação urbana na Zona Leste: Um estudo do Jardim Anália Franco. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Gestão Ambiental) - Universidade de São Paulo, 2012. Orientador: Silvia Helena Zanirato.
- LEMOS, Carlos. Cozinhas e etc.... São Paulo: Editora Perspectiva, 1976, pp.223.
- INFANTE, Maísa. Joia histórica. Revista Tatuapé, n°126, pp. 12-16, fev., 2017. <disponível em: http://revistadotatuape.com.br/rt126/files/assets/basic-html/index.html#13> ; acesso em 29 de novembro de 2017.
- SAIA, Luís. Morada Paulista. São Paulo: Perspectiva, 2° reinpressão3° edição, 1995, pp. 299.
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