quinta-feira, 9 de julho de 2020

Meias verdades e anacronismos no documentário “Hiroshima: BBC History of World War II”


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS









Meias verdades e anacronismos no documentário “Hiroshima: BBC History of World War II”






Aluno: Marco Magli (RA00180650)
 Prof. Ms. Moacir Nunes de Oliveira

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
DISCIPLINA DE INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO TEOLÓGICO
SÃO PAULO – SP
2017
O documentário inglês “Hiroshima: BBC History of World War II”, do diretor britânico Paul Wilmshurst, é um longa-metragem muito impactante que mistura cenas roteirizadas e dramatizadas pretendendo retratar momentos que não se tem documentos e utilizando relatos, como fonte de uma história oral, tanto do lado dos japoneses e quanto dos estadunidenses. Este trabalho chegou a ser premiado em 2006 com um Emmy, na categoria documental, e três BAFTA
 Pretende explicar a cronologia e o contexto daquilo que é considerado um dos maiores crimes de guerra, e o maior genocídio instantâneo da história da humanidade: a bomba de Hiroshima. A escolha da data de lançamento do filme não veio ao acaso. Em 2005, ano da publicação do trabalho, foram completos 60 anos do final da Segunda Grande Guerra, e consequentemente, a mesma idade dos massacres radioativos promovidos pelos Estado Unidos da América contra as populações de Hiroshima e Nagasaki. Não somente isso, o filme teve sua estreia no dia 7 de agosto, ou seja, numa data entre os bombardeios que ocorreram nos dias 6 e 9 deste mês em 1945.
No começo, mostra-se as semanas que antecedem os bombardeios. Os Estados Unidos apresentam um pacto de rendição para o Japão que é recusado, segundo alega o documentário por causa de um certo “ímpeto guerreiro natural do povo japonês”, o que não é um fator que tanto se considera nas análises historiográficas mais atualizadas e aceitas.
Na realidade o Japão desde 1868 é declarado um Império, e embora de forma específica e adequada aos costumes e condições materiais orientais, dependia dessa colonização típica deste período entre os séculos XIX e XX para manter status político e sua economia exploradora. Para exemplificar o tamanho deste país, ele tinha domínios de toda Península da Coreia, de diversas ilhas no Pacífico Sul, de Hong Kong e de parte da China. O pacto apresentado pelos EUA ao Japão é negado principalmente pois retira esses poderes, como os seguintes termos da Declaração de Potsdam de 26 de julho de 1945, como é chamada essa proposta de paz:
8. Os termos da “Declaração do Cairo” serão cumpridos e a soberania japonesa será limitada às ilhas de Honshu, Hokkaido, Kyushu, Shikoku e outras pequenas ilhas que determinaremos.
9. As forças militares japonesas, após completamente desarmadas, terão permissão de retornar aos seus lares, com a oportunidade de viver vida pacífica e produtiva.
Além disso, o documentário por alguns minutos no início faz uma crítica minúscula ao governo inglês, talvez por que o material seja da BBC, enquanto passa um bom tempo no lugar comum da historiografia liberal tentando, de alguma forma ou de outra, culpabilizar Stálin e a URSS, inclusive quando não há muito que se criticá-los quanto a esse evento. Isso posto que o Reino Unido tinha uma relação bem próxima institucionalmente ao Imperador Hirohito. Ele foi homenageado com a honraria do Exército Britânico de General Honorário em 1921 e que diversas vezes demonstrou apreço pela linha política exercida pelo Império Japonês, inclusive semelhante com o colonialismo inglês. [1]
Outro erro histórico que o filme comete, é relacionar o evento do lançamento da bomba com o fim da Segunda Guerra Mundial. Em primeiro lugar, a Guerra estava encerrada em julho de 1945 com a invasão soviética em Berlim e o fim do III Reich, e por conseguinte da única migalha de ameaça restante do eixo já neste período para os EUA. 
O Japão não representava perigo grande e a invasão no Japão já era considerada relativamente simples aos militares estadunidenses. Inclusive o império oriental já tinha cerca de 70% de suas cidades bombardeadas com bombas convencionais, que causavam grande estrago. Como exemplo os Bombardeios a Tóquio que, segundo o historiador Gabriel Kolko causaram cerca 125 mil mortes. A bomba atômica é uma forma dos EUA de “avisarem” o mundo, e principalmente a URSS, que surgia uma nova potência mundial, econômica, política e sobretudo bélica. 
Em segundo lugar, após não é após as bombas que o Japão se rende, mas sim após a tomada da Manchúria pela União Soviética. Para chegar nesta conclusão basta ver a data dos eventos. OS Bombardeios são no começo de agosto. No dia 2 de setembro os soviéticos entram na Península da Coreia por Hamhung, ao Norte. No mesmo domingo, 2 de setembro, o Japão assina a rendição. Ou seja, a gota d’água para o Japão não foi a Bomba de Hiroshima, como o filme pretende mostrar, mas sim a chegada dos soviéticos pela Manchúria.  [2]
No final do documentário, cerca de nos 10 minutos finais, é reproduzida a gravação de uma fala oficial americana então passam algumas imagens do desastre causado pela bomba. Nesta fala, o ministro estadunidense tenta defender o uso da bomba pois o Japão não havia aceitado o rendimento e termina dizendo que essa catástrofe acabou salvando a vida de “muitos jovens americanos”. Isto remete a um dilema moral colocado pelos professores Michael J. Sandel, docente do curso de “Justiça” de Harvard, e Joshua Greene, membro da mesma instituição. Ou até um especialista em seguros explicando como as montadoras de carro dos estados unidos calculam o preço da morte de seus clientes em seus cálculos anuais. Todos eles colocam, inclusive em um vídeo assistido na sala de aula de Teologia neste semestre, uma reflexão sobre o valor sobre uma vida.
Enfim, o documentário tem seus pontos negativos historicamente, e é altamente tendencioso, como tudo. Entretanto, são essas falhas históricas que proporcionam pesquisas e críticas como essas apontadas por meio dessa dissertação. As críticas não são para rejeitar e desqualificar o filme, ou a sugestão de trabalhar com ele, mas são sérias, objetivas e pontuais, a uma visão apresentada pelo documentário, muitas vezes tendenciosa e embusteiramente isenta. De um estudante comprometido com seu objeto: a história.

REFERÊNCIAS
[1] https://www.thegazette.co.uk/London/issue/32317/supplement/3737 - jornal do inglês do dia da Homenagem a Hirohito;
[2] http://port.pravda.ru/mundo/05-06-2016/41103-japao_stalin-0/ - Reportagem sobre a atuação soviética contra o Japão;
Kolko, Gabriel (1990) [1968]. The Politics of War: The World and United States Foreign Policy, 1943–1945. pp. 539–40
COOX, Alvin D. – Japão, a agonia final. Campanhas 13, pp. 114-115. Editora Renés, Rio de Janeiro 1977.
Keene, Donald (2005). Emperor of Japan: Meiji and His World, 1852–1912. New York: Columbia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário