sexta-feira, 10 de julho de 2020

BAUHAUS E O EXPRESSIONISMO COMO FONTES HISTÓRICAS PARA A COMPREENSÃO DE WEIMAR

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS





BAUHAUS E O EXPRESSIONISMO COMO FONTES HISTÓRICAS PARA A COMPREENSÃO DE WEIMAR



Marco Magli (RA00180650)


Prof. Dr. Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus



CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
ESTUDOS TEMÁTICOS: CLASSES, NAÇÕES, IMPÉRIOS E GUERRAS
SÃO PAULO – SP
2018
Não é possível entender um contexto histórico separado de sua arte. Bem como é inútil tentar entender um movimento artístico sem conhecermos a estrutura e a conjuntura que o rodeia. Dessa maneira,  é na Alemanha da primeira metade do século XX que esses paralelismos entre a arte e a sociedade estão extremamente escancarados.
Neste texto, pretende-se discutir o contexto histórico alemão neste período junto com duas concepções artísticas marcadamente alemãs do XX, que são a Bauhaus e o expressionismo alemão. Assim, este trabalho terá três eixos de objetos de trabalho distintos: a República de Weimar, o expressionismo alemão e a Bauhaus. 
Este recorte de análise faz sentido, não somente pela “convivência temporal” de todos os temas elencados, isto é, por serem assuntos contemporâneos entre si. É importante colocar esses objetos em espectro de comparação e interpretação, isto pois, são dois movimentos artísticos que estão em constante diálogo como a política da época, que evocam temas extremamente relevantes, com estéticas próprias que, certamente, marcaram aquela época e local.
Além disso, veremos como tratar a escola Bauhaus, e o expressionismo alemão como fontes históricas. Ou seja, como apreender o movimento real das coisas no seu tempo a partir da utilização desses temas como documentação. Assim, teremos que entrar no mérito de discutir um pouco do cinema como arte e como fonte, no momento em que formos destacar o cinema alemão da década de 1920.
A República de Weimar é um período extremamente importante e conturbado da história alemã. Para compreender seu surgimento devemos, antes de tudo, entender como se deu a Primeira Guerra Mundial, mas principalmente, como foi encaminhado o fim do conflito e como a Alemanha enfrentou este processo.
A Primeira Grande Guerra foi um conflito bélico interimperialista, no qual, as potências coloniais europeias já haviam descoberto e dominado cada canto do globo, portanto agora, para conquistar novas colônias elas deveriam disputar entre si. 
A Alemanha esteve ao lado das chamadas “Potências Centrais” na primeira, guerra, a qual ela era uma delas, junto com o Império Austro-Húngaro e Otomano. Durante o conflito a Tríplice Aliança, que disputava com as Potências Centrais, foi tornando-se hegemônica. Esta guerra, que muitos acharam que duraria semanas, transformou-se no primeiro conflito bélico moderno em escala mundial, com utilização pela primeira vez de algo que seria identitário para o século XX armas de destruição em massa.
Em 1919, com o final da Guerra, e em especial, o Tratado de Versalhes, a Alemanha está posta em uma situação de crise não antes experienciada. Sua infraestrutura industrial, bem como a sua própria população civil estão destruídos. Além disso, os países vencedores fizeram que a Alemanha assumisse a culpa da causa da Guerra, e assim tivesse que arcar com uma indenização. A crise socio-econômica estava implantada da Alemanha.
Em 1919 há marcos para nossos objetos de estudo. Com o Tratado de Versalhes, surge o espaço político para a construção de uma ideia de uma “nova Alemanha”, já presente neste ano com a Constituição promulgada em Weimar, que dá nome a mesma República então nascente. Também neste ano é fundada a Bauhaus. Neste mesmo ano foi publicado o considerado primeiro filme do chamado Expressionismo Alemão, “O gabinete do Dr. Caligari”, de Fritz Lang.
Hobsbawm em sua obra “A Era dos Extremos” analisa este período da década de 1920, com o surgimento destas vanguardas artísticas que
Só havia na verdade duas artes de vanguarda que todos os porta-vozes da novidade artística, em todos os países, podiam com certeza admirar, e as duas vinham mais do Novo que do Velho Mundo: o cinema e o jazz. O cinema foi cooptado pela vanguarda durante algum tempo durante a Primeira Guerra Mundial, depois de inexplicavelmente ignorado por ela. Não apenas se tomou essencial admirar essa arte, e notadamente sua maior personalidade. Charles Chaplin (a quem poucos poetas modernos de respeito deixaram de dedicar uma composição), como também os próprios artistas de vanguarda se lançaram na realização cinematográfica, mais especialmente na Alemanha de Weimar e na Rússia soviética, onde na verdade dominaram a produção. O cânone de "filmes de arte" que se esperava que os fãs intelectuais admirassem em pequenos templos de cinema especializados durante a era dos cataclismos, de um lado a outro do globo, consistia essencialmente de criações da vanguarda como: Encouraçado Potemkim, de Sergei Eisenstein (1898-1948), de 1925, em geral considerado como a obra-prima de todos os tempos. (HOBSBAWM, 1995, p. 181)
Neste texto, não se analisará o jazz, mas o cinema será um objeto de estudo trazido. O expressionismo alemão, foi um movimento de vanguarda artístico que surge ainda no final do século XIX, ainda nas artes plásticas. Este movimento, surge como negação ao mundo burguês, inspirado nos ideais anti-racionalistas de Nietzsche e nas teorias psicológicas de inconsciente e subconsciente. Esta vanguarda é a contramão de uma arte metódica e racional, mas sim apela pela primeira vez para as sensações e o subjetivismo.
Para pensarmos o cinema como fonte de pesquisa para o historiador, devemos partir de certas premissas. Primeiro, a noção de “mundo real” e “totalidade” não estão intrinsicamente ligadas. Isto é, que uma pequena fração deste “mundo real”, ou seja, essa reprodução de um microcosmo selecionado com elementos, os mais abstratos que sejam, que necessariamente remetem a aspectos do conhecimento ou da experiência histórica da humanidade, já pode ser suficiente representação de totalidade ao público. 
Aliás, é importante pontuar que nem mesmo a ficção mais abstrata ou vanguardista, surge “do nada”, ou seja, sem uma estrutura concreta já conhecida social e historicamente, em seu conteúdo e forma. Por outro lado, nem mesmo o mais realista documentário pode ser visto como “fonte imparcial”, mas sim como recorte, eleição de prioridade com implicações semânticas e, portanto, políticas. 
Marc Ferro, traz uma enorme contribuição sobre o uso do cinema como fonte histórica. Ele coloca que 
O filme, aqui, não está sendo considerado do ponto de vista semiológico. Também não se trata de estética ou de história do cinema. Ele está sendo observado não como uma obra de arte, mas sim como um produto, uma imagem-objeto, cujas significações não são somente cinematográficas. Ele não vale somente por aquilo que testemunha, mas também pela abordagem sócio-histórica que autoriza. A análise não incide necessariamente sobre a obra em sua totalidade: ela pode se apoiar sobre extratos, pesquisar ‘séries’, compor conjuntos. E a crítica também não se limita ao filme, ela se integra ao mundo que o rodeia e com o qual se comunica, necessariamente. [...] analisar no filme tanto a narrativa quanto o cenário, a escritura, as relações do filme com aquilo que não é filme: o autor, a produção, o público, a crítica, o regime de governo. Só assim se pode chegar à compreensão não apenas da obra, mas também da realidade que ela representa.” (FERRO, 1992, p. 88)
Contudo, é clara a ligação entre a noção de “totalidade” e “materialismo” que tanto a reflexão sobre o cinema quanto o método de análise marxista propõem, produzindo o não-dissociar entre a singularidade, a particularidade e a universalidade. Isso é colocado por Lukács na “Ontologia do Ser Social”, quando considera que 
[...]a concepção dialético-materialista da totalidade significa [...] a relatividade sistemática de toda a totalidade tanto no sentido ascendente quanto no descendente (o que significa que toda a totalidade é feita de totalidades a ela subordinadas e também que a totalidade em questão é, ao mesmo tempo, sobredeterminada por totalidades de complexidade superior[...](LUKÁCS, 1979, p. 12) 
Isso demonstra que a possibilidade que o cinema apresenta para análise da totalidade é extremamente fértil. Mesmo um filme que tenha, por exemplo como proposta mostrar uma “totalidade”, ele será obrigado a fazer recortes. O ocultado é tão importante quanto o mostrado no cinema. 
Entretanto, justamente o ato do recorte é o que confere ao cinema sua importância de análise de uma totalidade, esta que paradoxalmente sabemos ser inatingível de representação plena, mas justamente por esta afirmação, mostramos que a conhecemos, enquanto seres sociais, ou pelo menos tempos uma noção de “totalidade”.
Já para entendermos a Bauhaus como fonte precisaremos fazer o mesmo caminho que fizemos no cinema alemão do início do XX. Primeiro, devemos procurar como se enquadrou naquele contexto os ideiais, políticos e estéticos contidos naquela expressão artística. Depois, precisamos entender o próprio processo de produção dessa arte, para assim, conseguirmos entender a produção daquela documentação em dois tempos históricos, seu tempo próprio de fabricação e o tempo em que hoje conseguimos analisá-lo. 
Essa escola de artes, que depois fica mais conhecida como uma escola e um estilo de arquitetura, é uma importante quebra de paradigma na arte alemã (e europeia em geral) do período. Isso ocorre, pois a Bauhaus quer pensar não somente em uma nova estética artística, mas sim em um novo método de produção dessa arte. Isso pois a ideia central desse movimento era a de se misturar a arte e o artesanato, fazendo morrer as distinções e classes dentro do meio artístico, no qual todos seriam, ao mesmo tempo, artistas e artesãos. Esse ideal é bem resumido na frase de seu criador, o arquiteto germânico Walter Adolf Gropius (1883 - 1969), quando inaugura a Bauhaus, em 1919: “Criemos uma nova guilda de artesãos, sem as distinções de classe que erguem uma barreira de arrogância entre o artista e o artesão”.
Outra preocupação latente no pensamento da Bauhaus, era a volta aos materiais. Isto é, a exploração dos elementos e propriedades de cada um dos materiais. Assim, também pensam em como baratear as construções por meio da propriedade de seus materiais, algo muito relevante para um pós-guerras. Além disso, não era como uma escola de artes clássica, que até o momento da prática artística, o aluno deveria passar por um extenso treinamento teórico. Mas sim na Bauhaus, uma espécie de “criatividade jovem” era um elemento sempre aproveitado.
Por isso Hobsbawm, trata a Bauhaus como sendo
[...] considerada profundamente subversiva. E na verdade algum tipo de compromisso político domina as artes "sérias" na Era da Catástrofe. Na década de 1930, chegou até a Grã-Bretanha, ainda um porto seguro de estabilidade social e política em meio à revolução europeia, e aos EUA, distantes da guerra mas não da Grande Depressão. Esse compromisso político não era de modo algum apenas da esquerda, embora os amantes radicais de arte achassem difícil, sobretudo quando jovens, aceitar que génio criador e opiniões progressistas não andassem juntos. [...] A arte de vanguarda centro-européia da era dos cataclismos raramente expressou esperança, embora seus membros politicamente revolucionários estivessem comprometidos com uma visão positiva do futuro, por convicções ideológicas. (HOBSBAWM, 1995, p. 185)
Assim, quando olhamos, não apenas para a estética, mas pelo processo produtivo da Bauhaus, conseguimos ver muito sobre o período estudado. A concepção da produção artística Bauhaus reflete, em muito, uma tentativa revolucionar a arte, a partir dos escombros da Europa e da vitalidade dos jovens. Dessa maneira, Eric Hobsbawm exprime em uma frase toda uma dinâmica que há por trás dessas artes, quando afirmava que “[...] ficava cada vez mais claro que o século xx era o do homem comum, e dominado pelas artes produzidas por e para ele.” (HOBSBAWM, 1995, p. 190).
Destarte, a crise em que está posta a República de Weimar é a chave para a compreensão dessas vanguardas artísticas alemãs. O processo de dificuldades em que a Alemanha estava abre espaço para tentativas de inovações artísticas e culturais. Essas manifestações acompanham a insatisfação e o non sense moderno, ainda muito embrionários, mas já muito fortes e presentes no cotidiano alemão. A quebra com o mundo antigo, tanto na Bauhaus, como no cinema alemão são tentativas de representações do presente e de um possível futuro alemão.


Referências teóricas
FERRO, Marc. O filme, uma contra-análise da sociedade? In: Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.79-115 . 
HOBSBAWM, Eric J., Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991 / Eric Hobsbawm; tradução Marcos Santarrita; revisão técnica Maria Célia Paoli. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995

LUKÁCS, Gregory. Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. In: Ontologia do ser social. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Livraria Ciências Humanas, 1979.

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