quinta-feira, 9 de julho de 2020

GANDHI: UMA FIGURA HISTÓRICA, UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS









GANDHI: UMA FIGURA HISTÓRICA, UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA






Aluno: Marco Magli (RA00180650)
 Prof. Ms. Moacir Nunes de Oliveira

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
DISCIPLINA DE INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO TEOLÓGICO
SÃO PAULO – SP
2017

A vida de Gandhi é sem dúvidas intrigante. Ela é um elemento muito rico para tratar do história e sociedade da Índia. Além disso, permite colocar várias questões não apenas éticas e morais, mas também políticas sobre injustiça, resistência e violência.
O filme ”Gandhi” mostra como começa a preocupação de Gandhi com a viagem à África do Sul e como lá sofreu com o racismo no final do século XIX. Entretanto, não mostra todos os aspectos políticos da vida de Gandhi naquele país. Por exemplo, em 1906, Gandhi não só lutou contra os zulus na África do Sul pelo exército britânico, como diversas vezes manifestou-se favorável ao alistamento de indianos para o combate e à posição britânica no conflito, expresso várias vezes na obra “The Collected Works of Mahatma Gandhi”.
O filme começa com a morte de Gandhi e a citação da fala de um secretário de estado estadunidense, falando como ele foi um exemplo. Deveria nos fazer pensar o faz um representante diplomático de um país imperialista desde o século XIX, os EUA, elogiar uma pessoa marcante na luta contra o imperialismo britânico. Ou mesmo a relação harmoniosa entre Gandhi e o The New York Times, grande porta-voz da Doutrina Monroe, da Política do Big Stick, enfim do imperialismo.
É importante entender a situação política da Índia durante a colonização britânica.  Gandhi fazia parte do Partido do Congresso indiano que representava os interesses da grande burguesia e de uma aristocracia indianas satisfeitas em partes com a ocupação colonial e ia contra a pequena burguesia revolucionária do país. Como afirmou o Dr. Amit Bhattacharyya, professor de História da Universidade de Jadavpur, durante seu ciclo de palestras ‘Índia: Dominação Imperialista e Revolução’, apresentado em universidades do Brasil em agosto de 2011: 
O Partido do Congresso indiano, liderado por Ghandi, Nehru e outros, nunca defendeu a independência da Índia. Nas resoluções do congresso do Partido do Congresso de 1966, qualquer um pode notar que não havia nenhuma demanda contra a dominação britânica. Não se falava a respeito da independência da Índia. Nesse mesmo documento, havia outras 11 demandas. Logo depois do congresso, quando a questão da independência foi colocada, Gandhi afirmou que se os britânicos atendessem os outros 11 pontos, nunca mais iria se ouvir falar em independência da Índia. Os 11 pontos eram as 11 demandas da grande burguesia indiana. Não havia nenhuma demanda pelo fim da lei colonial.

Gandhi é um nome importante do pacifismo como forma de resistência. No filme mostra essa faceta dele, mas contrapõe com a visão de outras personagens em uma cena quando Gandhi defende que não se deve matar um guarda inglês que invadiria a casa de um indiano. Um homem ouvindo o discurso indaga: “O senhor já esteve na prisão? Eles nos espancam e nos torturam.” 
Assim é levantada a discussão se a não-violência num contexto violento contribui para a perpetuação do exercício de poder pela força física. Principalmente se neste contexto é marcante uma grande diferenciação legal, econômica e racial, como eram as colônias do Império Britânico. No filme Gandhi diz que “eles [os britânicos] terão meu cadáver, mas não minha obediência.”. 
Isso coloca em questionamento não só o quanto a moral pode ser colocada acima da própria vida e dos demais, mas também o quanto isso é estratégico para alcançar os objetivos populares, no caso, a Independência da Índia. Engels discute bem esta questão numa obra chamada “Anti-Dühring”, na qual ele argumenta que “a violência continua desempenhando na história um outro papel: um papel revolucionário; segundo as palavras de Marx, ela é a parteira de toda a velha sociedade que leva em seu seio outra nova; é o instrumento com a ajuda do qual o movimento social abre caminho e estilhaça as formas fossilizadas e mortas;” (ENGELS,1976, p.96)
Nos processos revolucionários socialistas do o século XX algumas vidas, de ambos os lados do “front”, mas hoje muitos desses países conseguem dar condições boas de se desenvolver como indivíduo e sociedade. É o caso de Cuba, por exemplo, que houveram muitas baixas e muitos homens e mulheres que caíram lutando contra um governo ditatorial e fantoche estadunidense de Fulgencio Batista. Mas dois anos após a revolução o Cuba foi declarada o primeiro país latino-americano livre do analfabetismo. Hoje é o único país da América Latina e do Caribe que cumpriu as metas da UNESCO para educação entre 2000-2015. 
Além disso, há um sistema de saúde público e universal, uma expectativa de vida de 78 anos, mortalidade infantil apenas comparado ao Canadá na América. Cuba poderia ter se tornado semelhante a qualquer país vizinho seu, desde o Haiti até a Flórida: desigual. Mas um processo revolucionário e em parte violento tirou este país do caminho de uma enorme injustiça social, como ainda são seus vizinhos do Caribe, ou a própria Índia. O quanto o pacifismo protege os interesses de uma classe dominante? A luta revolucionária feita por um povo contra um Estado armado pode ser feita de forma pacífica? Ou isso é pouco estratégico?
Enfim, Gandhi é uma figura contraditória e complexa que deve ser iluminada e revisitada a partir de uma noção da contextualização espaço-temporal, não caindo em mitificações e atemporalidades. Não é possível retirar os interesses e a política das ações e decisões das pessoas. Assim é importante entender como Gandhi serviu de instrumento reacionário, no sentido de ir contra vontades revolucionárias insurgentes na Índia do final do século XIX, fantoche do imperialismo britânico e defensor da aristocracia indiana, a qual sempre fez parte, como afirma Dr. Amit Bhattacharyya: 
Se Gandhi fosse realmente um defensor da não violência então ele deveria ser contra toda forma de violência, não poderia ter tomado parte na guerra zulu, não deveria ter tomado parte na 1º Guerra Mundial recrutando pessoas para servir aos britânicos, teria lutado pela revogação da sentença de morte contra Bhagat Singh. Basicamente, a política de Gandhi era servir aos interesses dos britânicos.
Referências bibliográficas:
- ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
- BASOLE, Amit. Whose Knowledge Counts? Reinterpreting Gandhi for the Information Age. International Journal of Hindu Studies, v. 18, n. 3, p. 369, 2014.
- Filme “Gandhi” (1982)

- http://anovademocracia.com.br/no-81/3613-o-mito-ghandi-e-a-falsa-politica-de-nao-violencia - Transcrição de uma das respostas do Dr. Amit Bhattacharyya, professor de História da Universidade de Jadavpur, em Calcutá, durante seu ciclo de conferências ‘Índia: Dominação Imperialista e Revolução’, apresentado em universidades do Brasil em agosto de 2011.

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